18 de março: uma nova era para a advocacia brasileira

O mês de março de 2016 traz uma nova era para a advocacia brasileira com a introdução do novo código do processo civil. Para falar sobre essa mudança, confira a entrevista concedida pelo Conselheiro Federal da OAB, Arnaldo Machado, ao Jornal da Cidade.

Jornal da Cidade – No dia 18 de março entra em vigor no Brasil o novo código de processo civil.  O que vai mudar na vida do advogado?

Arnaldo Machado – Muita coisa mudará no dia a dia do advogado a partir do novo CPC, merecendo sobrelevo uma novidade: a suspensão dos prazos processuais entre 20 de dezembro e 20 de janeiro, popularmente chamada de férias da advocacia. O advogado sempre teve tão somente o curto período do recesso forense para se dissociar de seus afazeres laborais. Com o novo CPC, os advogados privados terão direito ao descanso anual, constitucionalmente assegurado a todos os brasileiros.

Destaco também a contagem de prazos processuais apenas em dias úteis, previsão que garantirá aos advogados o direito de descansarem aos finais de semana. Ou seja, contar-se-ão os prazos excluindo o dia do começo e incluindo o dia do vencimento, mas, diferentemente do que ocorre hoje, a contagem fixada em dias não será contínua.

Além de férias e de prazos em dias úteis, o novo CPC proporcionará outras importantes conquistas, dentre as quais se destacam: a) impossibilidade de compensação de honorários sucumbenciais; b) parâmetros legais para a fixação de honorários sucumbenciais em face da Fazenda Pública; c) sucumbência recursal.

JC – Dentre as diversas alterações promovidas pelo novo código, uma delas são regras que privilegiam a Conciliação entre as Partes. Isso vai acelerar o processo judicial no país?

AM – A expectativa é essa, mas existem algumas nuanças. Sabe-se que um dos principais percalços a ser superado pelo processo judicial pátrio é a morosidade da justiça, problema que não é recente, nem tampouco peculiar ao Brasil.

Nesse intento, o novo CPC valoriza as formas alternativas de solução de conflitos, notadamente a conciliação e a mediação, impondo aos tribunais a criação de centros judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição.

Compreende-se que a conciliação e a mediação contribuem com o descongestionamento do Poder Judiciário, assim como proporciona a formação de soluções mais justas, pois construídas pelos seus destinatários. Essa, inclusive, tem sido a tônica de todas as reformas processuais no mundo.

No entanto, tem-se que o êxito da mediação e da conciliação dependerá diretamente da expertise do mediador (e do conciliador) e da colaboração dos interessados, os quais deverão encontrar-se despidos de qualquer sentimento de revanchismo. E uma coisa é certa: o papel do advogado será de extrema importância para tal propósito, daí a necessidade de mudança cultural do nosso corpo de operadores, desde aqueles que formam os nossos bacharéis em Direito nos bancos das faculdades, para que as formas alternativas de solução de conflitos sejam realmente levadas a sério por todos.

No mais, um dos pontos nevrálgicos para a concretização de tal perspectiva é a falta de estrutura dos tribunais do país. Em sua grande maioria, não possuem centrais de conciliação e de mediação, ou, quando as possuem, oportunizam-nas apenas aos grandes centros urbanos. Infelizmente, até o momento, não identificamos iniciativas consistentes nesse sentido por parte dos tribunais pátrios. Entretanto, acredito que a imposição legal prevista no novo CPC implicará, mais cedo ou mais tarde, em investimentos consistentes nas formas alternativas de solução de conflitos, seja a partir do compromisso social, jurídico e político de cada tribunal, seja a partir da exigência do CNJ ou da OAB.

Contudo, ainda sobre a duração do processo, entendo que, ultrapassada a fase de conciliação ou de mediação, presenciaremos prazos longos para a prática de alguns atos processuais, a exemplo de apresentação de defesas e manifestação sobre documentos, tendo em vista a contagem em dias úteis. Nesse ponto, a bem da celeridade processual, entendo que o legislador poderia ter disciplinado melhor.

JC – Quais as principais vantagens desse novo código para os advogados e quais as dificuldades que ele traz para o exercício da profissão?

AM – Além das vantagens aduzidas na primeira resposta, acredito que os advogados alcançarão um protagonismo até então inexistente, sobretudo por força do princípio da cooperação ou comparticipação, que impõe o dever de auxílio entre os sujeitos do processo (partes e juiz) para que se obtenha, em tempo razoável, decisões judiciais de mérito e efetivas. Essa perspectiva também contribuirá com a democratização do processo civil brasileiro, tornando-o um espaço de participação mais democrática de todos os sujeitos do processo.

Outro ponto de destaque do novo CPC é o princípio da boa-fé processual (da probidade processual). Com ele, pretende-se resguardar um mínimo ético para o processo civil brasileiro, de modo que ele seja conduzido pelos sujeitos do processo, mediante padrões de conduta consentâneos com o nosso modelo constitucional de processo, exigíveis de quem detém tão digno munus, qual seja: contribuir efetivamente com a administração da justiça.

Outra vantagem é a possibilidade de as partes celebrarem negócios jurídicos processuais, inclusive antes da existência de conflito, podendo versar sobre os prazos dos atos a serem praticados (calendário processual). Além de ser uma ferramenta muito interessante, do ponto de vista da duração razoável do processo, tal possibilidade permite a adequação do procedimento às características da causa em apreço, a partir de uma maior participação das partes envolvidas, por intermédio dos advogados.

Quanto às possíveis dificuldades para o exercício da advocacia, além do tempo de duração dos processos (abordado na resposta precedente), entendo que as dificuldades serão as mesmas para todos os operadores do direito, quais sejam: compreender adequadamente o novo diploma processual, sabidamente repleto de novidades, a exemplo do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – IRDR.

JC – Na sua avaliação os advogados vão demorar a se adaptar ao novo código?

AM – Acredito que isso dependerá muito do esforço de cada um. De fato, tenho presenciado um esforço de todos os operadores do direito para se familiarizarem com o novel código, mas o grande número de mudanças acaba por exigir do profissional um tempo de dedicação muitas vezes maior do que efetivamente dispõe.

A meu sentir, enfrentaremos um ano de incertezas. No entanto, ultrapassadas as primeiras experiências e reflexões sobre a correta aplicação das normas, os operadores poderão trabalhar com bastante desenvoltura, extraindo do novo CPC o seu potencial máximo.

Destaco que os estudiosos da ciência processual civil têm se dedicado há algum tempo à análise do novo CPC (Fórum Permanente de Processualistas Civis – FPPC) e à elaboração de enunciados sobre a correta interpretação do diploma, com o fito de auxiliar os operadores do direito quando da exegese da norma.

Apesar das dificuldades aduzidas, entendo que um código de processo civil alicerçado em normas principiológicas, como o novo CPC, garante-nos uma experiência ímpar de contínua evolução e aprendizagem.

JC – De que forma o cidadão vai se beneficiar com o NCPC?

AM- Penso que a principal vantagem para o cidadão reside na força dos precedentes, da jurisprudência e das súmulas dos tribunais. Uma das maiores reclamações dos jurisdicionados, ao lado da morosidade da justiça, é a existência de decisões diferentes para causas idênticas.

Desse modo, visando combater esse estado de coisas, bem como prestigiar os princípios da isonomia e da segurança jurídica, o novo CPC insere a força dos precedentes judiciais em nosso ordenamento jurídico. Ou seja, será possível garantir que causas idênticas tenham o mesmo desfecho judicial.

Ademais, não podemos deixar de citar, a título de vantagem, uma maior participação das partes durante toda a marcha do processo, forte no princípio da cooperação ou comparticipação. Tal moldura, inclusive, assegurará uma maior legitimação das decisões judiciais.

JC – De que forma a OAB/SE vem preparando os advogados para essa mudança?

AM- A OAB/SE, por intermédio da Escola Superior da Advocacia – ESA/SE, tem oferecido aos advogados sergipanos, sem qualquer custo, palestras e cursos sobre o novo CPC, na capital e no interior do estado. E a melhor notícia é que os advogados sergipanos têm participado, maciçamente, de todas as oportunidades oferecidas.

 

 

 

 

*Arnaldo Machado é advogado cível. Conselheiro Federal da OAB/SE. Especialista e mestre em Direito Processual Civil. Professor efetivo e subchefe do Departamento de Direito da Universidade Federal de Sergipe, no qual leciona disciplinas de processo civil. Conferencista. Autor de diversos artigos e capítulos de livros jurídicos.