Novo Código de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil entra em vigor

Após 16 anos de vigência o Código de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil passou por uma reformulação e nesta quinta-feira, 1° de setembro de 2016 entra em vigor um novo Código. Aprovado em agosto de 2015, o novo Código atualiza e revisa o texto de 1995 e traz inovações, como a inserção da advocacia pública como uma profissão efetiva e a possibilidade da advocacia pro bono, vedada no Código antigo.

Em entrevista à Assessoria de Comunicação da OAB/SE, o presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da entidade, Valmir Macedo de Araújo, aborda as principais adequações e inovações que o novo Código traz e faz uma análise crítica dos princípios que norteiam e valorizam a profissão. Para ele, o novo texto possui os meios de garantir a valorização da advocacia e o respeito da classe pela sociedade.

Confira:

Ascom – Após 16 anos da vigência do antigo Código de Ética e Disciplina da OAB o Novo Código entre em vigor. Quais as principais mudanças que ele traz?

Valmir Macedo – Na verdade, a ideia inicial da anterior diretoria do Conselho Federal da OAB, que editou o novo Código, seria apenas de uma atualização do então vigente, ao criar, através da Portaria nº 116/2013, a Comissão Especial para Estudo da Atualização do Código de 1995, pois, como bem lembrado, o mesmo ainda se encontrava em idade juvenil de sua vigência, ao considerarmos que o Código anterior, editado na primeira gestão do CFOAB, sob a presidência do pioneiro Levy Carneiro, perdurou de 1934 até 1995, por mais de seis décadas, portanto.

Porém, na evolução dos estudos revisionais, com a oportunidade de ampliação democrática das discussões das matérias perante as seccionais e as sugestões colhidas nos Colégios de Presidentes e dos Tribunais de Ética das Seccionais, a opção final da Comissão Revisora foi pela apresentação do projeto de um novo Código, que foi aprovado pelo Conselho Federal através da Resolução nº 2/2015, publicada no Diário Oficial da União em novembro de 2015, com sua vigência inicial prevista para maio deste ano e, depois, prorrogada para hoje em decorrência das alterações nele já ocorridas mesmo no curso de sua vacio legis e também para melhor oportunizar a sua divulgação perante o Sistema Disciplinar da OAB.

Por isso, eu não diria mudanças, mas adequações, avanços e inovações, pois as regras da deontologia e os princípios que norteiam e valorizam a nossa nobre profissão resultaram confirmados e prestigiados neste novo Código. Porém, inovações foram necessárias e vieram para atualizar os deveres de conduta da classe e, como disse o ex-presidente da OAB Nacional, Marcus Vinicius, “modernizar os imperativos ético-profissionais de acordo com as exigências da atualidade”, mesmo a despeito de tratar-se de um código à altura do seu tempo, “mas, a evolução dos fatos sociais não foge à dinâmica da nossa época e novos imperativos surgiram – e com força total – que se fez mister criar um novo sistema normativo para ética do advogados”, como bem lembrado pelo seu redator original, Paulo Roberto Medina, nosso medalha Rui Barbosa.

E aqui a evolução da comunicação eletrônica foi crucial à criação desse novo Código, ante o impacto dessas novas tecnologias à disciplina da publicidade profissional e a necessidade de regulamentação do processo ético-disciplinar, como assim já ocorrera com o processo eletrônico nas esferas judiciais. E também com essas evoluções, veio a inserção da advocacia pública com o reconhecimento de uma advocacia efetiva do estado e não de governo; a regulamentação da advocacia pro Bono; e o incentivo aos métodos de solução extrajudicial de conflitos.

Ascom – Uma das novidades no recente Código é a advocacia pro bono. No Código anterior ela era vetada e agora foi liberada. Como isso se reflete no advogado e na sociedade?

VM – Em ambos, positivamente. Primeiro, porque ratifica a essencialidade do advogado ao acesso à Justiça, “em favor de instituições sociais sem fins econômicos e aos seus assistidos, desde que não disponham de recursos para a contratação profissional”, corrigindo, assim, uma vedação que existia no Código anterior, permitindo agora que o Brasil recebesse prêmio da Internacional Bar Association (BA), instituição composta por 195 entidades da advocacia de todo o mundo.

Depois, por permitir ao advogado não só a realização de um serviço gratuito “para o bem”, mas também “em prol do interesse público, de objetivos sociais e constitucionais, como a igualdade entre os sujeitos, a paridade de armas no processo judicial e o acesso à Justiça”, como bem acentuado pelo ex-presidente da OAB Nacional, Marcus Vinicius.

Ascom – Como a modernidade e a tecnologia estão inseridas no Novo Código?

VM – Principalmente, na regulamentação do processo eletrônico e nas regras de publicidade em razão das novas mídias – redes sociais de comunicação, internet, etc.

Ascom – Quais as principais diferenças da publicidade do antigo e do novo CED?

VM – Não diria diferenças, mas novos regramentos, pois as vedações contidas no anterior permaneceram no Código atual, inclusive em relação à publicidade em “rádio, cinema e televisão, outdoors e painéis luminosos, muros, paredes, veículos e elevadores”, sendo que agora mais rigorosas no que alude aos parâmetros para manifestação pública dos advogados nos meios de comunicação então vigentes – rádio e televisão, tudo, por fim, para evitar a captação de clientela. O de novo agora, é a permissão de publicidade pela internet ou por outros meios eletrônicos, desde, repetimos, que feita com moderação e que não signifique captação de clientela.

Ascom – É verdade que agora as regras de conduta são mais rigorosas para os dirigentes da OAB?

VM – Exatamente. Em capítulo próprio, o novo Código tratou essa questão em quatro artigos específicos (31 a 34), exigindo dos exercentes de cargos ou funções em órgãos da OAB conduta que revele “plena lealdade aos interesses, direitos e prerrogativas da classe dos advogados que representa”, com a proibição expressa de firmar contrato oneroso de prestação de serviços ou fornecimento de produtos com tais entidades nem adquirir bens postos à venda por quaisquer dos seus órgãos, além de não permitir atuação profissional, “salvo em causa própria”, em processos que tramitem perante a entidade, nem oferecer pareceres destinados a instruí-los;

Ascom – Em relação aos processos judiciais, o que mudou?

VM – Elevou como princípio ético o incentivo aos meios extrajudiciais de solução de litígios, a exemplo da mediação conciliação e arbitragem, em prevenção da instauração direta de processos judiciais (judicialização do litígio), “como instrumentos de contenção da escalada do número de processos na Justiça”, priorizando, assim, as soluções de mérito sobre as formais, em adequação, inclusive, ao novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) e em sintonia com a valorização do princípio constitucional da razoável duração do processo.

Ascom – Como isso reflete na sociedade, na advocacia e no Judiciário?

VM – O método da conciliação, mediação e arbitragem permite soluções mais céleres, efetivas, participativas e duradoras. Portanto, o estímulo dessas práticas extrajudiciais de conflitos se torna um instrumento moderno e eficaz, mesmo porque, como já dito, os modelos tradicionais traçados pelo processo judicial e exercido pela jurisdição, às vezes, não se revelam os mais adequados ou suficientes para a melhor solução de uma específica demanda, ante o rigor no seu formalismo e que termina em prejuízo da rapidez e a agilidade que ali se esperam e que se tornam facilmente obtidas através desses meios alternativos.

Portanto, o estimulo por esses novos métodos implica no oferecimento para a sociedade de uma cultura do consensualismo, com o desestímulo à judicialização dos conflitos e, com isso, o desafogamento do grande número de processos em tramitação no Judiciário, além de também oportunizar ao advogado a garantia do percebimento de honorários em relação à mediação, conciliação e arbitragem ou a “qualquer outro método adequado de solução de conflitos” que venha a participar (art. 48, § 4º, do novo CED).

Ascom – O recente Código prevê medida de proteção contra o aviltamento de honorários. Qual a importância disso?

VM – Realmente, o novo CED trata os honorários profissionais como importante matéria por se tratar de um grande anseio dos advogados no combate ao seu aviltamento. Por isso, disciplinou, com ênfase, em capitulo próprio, todas as modalidades de honorários advocatícios, como fruto de um vitorioso embate judicial (Sumula/STF) e legislativo (novo CPC), no reconhecimento da natureza alimentar da verba honorária, mesmo em seu caráter sucumbencial ou quando devida do montante principal por disposição contratual.

Portanto, a vigência do novo CED representa o triunfo que fortalece a defesa “por uma justa remuneração dos advogados”, ao conferir especial atenção à dignidade dos honorários, com a proibição expressa de seu aviltamento em qualquer esfera de discussão, impondo ainda aos próprios advogados a observância dos valores determinados na tabela de honorários como um piso mínimo de remuneração.

Ascom – Para o senhor, o Novo Código de Ética e Disciplina supriu lacunas que há tempo já se debatia na advocacia?

VM – Não diria de muito tempo, mas, como já dito, a evolução da tecnologia nas comunicações sociais tornou-se uma realidade que imprime constantes atualizações. E elas ocorrem em tal profusão e rapidez que fazem o legislador corporativo acompanhar, constantemente, essas alterações. Nessa área de regramento deontológico, alterações já foram necessárias e realizadas antes mesmo da vigência desse novo Código. E tudo para acompanhar essa evolução da tecnologia e dos fatos sociais que não refogem à dinâmica da vida e, menos ainda, do relacionamento ético-profissional.

Mesmo que o novo CED não tivesse o cuidado de suprir as lacunas debatidas pela advocacia, como assim efetivamente cumpriu ao contemplar as inovações aqui já elencadas, tenho que teríamos muito hoje a festejar, pela oportunidade do debate e da revivência que o mesmo provocaria no meio da classe, “com a criação de um ambiente favorável ao cultivo de uma consciência ética e ao incentivo à praticas com ela compatíveis”, no dizer de Celso Cintra Mori.

Ascom – Em sua avaliação, o Novo Código de Ética e Disciplina da OAB possui os meios de garantir a valorização da advocacia e o respeito da classe?

VM – Sim, principalmente o respeito da classe pela sociedade, pelos demais operadores do direito e toda comunidade jurídica.

Na verdade, a ética, por ser a expressão de um sentimento determinante de comportamentos que levam em consideração o interesse do outro e do bem comum, não deveria ser codificada e levada em um conjunto fechado de normas compulsórias, visto que o exercício dela decorreria da própria boa exegese humana, o que dispensaria qualquer regramento compulsório.

Porém, como sabemos, não é assim que acontece. A conduta humana é falível e quando associada à atividade profissional do advogado a ética chega a tomar tons pejorativos. Por isso, as anedotas e estórias de mau gosto com os advogados, que, mesmo protagonizadas por uma pequena minoria, comprometem ou denigrem a imagem de grandeza da classe e da advocacia.

Assim, por conta dessa vulnerabilidade comportamental, o Código de Ética torna-se necessário e um imperativo para coibir e corrigir comportamentos profissionais antiéticos através de um “roteiro de amostragem exemplificativa de comportamentos esperados”, sob o pálio e materialidade de um processo disciplinar imposto subjetivamente a todos integrantes da advocacia, podendo culminar em sansões profissionais aos seus infratores de acordo com grau das faltas éticas eventualmente cometidas.