OAB debate Judicialização da Saúde durante Fórum de Direito Médico e Saúde

A Judicialização da Saúde, um problema grave, crescente e cujos custos demandados causam grande impacto ao País, foi tema na noite dessa quarta-feira, 5, da sessão inaugural do Fórum OAB de Direito Médico e Saúde, realizado no Plenário da Ordem dos Advogados do Brasil, em Sergipe (OAB/SE) pela Comissão de Direito Médico e Saúde.

O evento foi aberto pelo presidente da OAB, Inácio Krauss, que ressaltou a importância do Fórum. “O objetivo é trazer essa problemática aqui para a OAB juntamente com outras instituições porque nós entendemos que o problema da saúde pública é macro e juntando todas as instituições que têm representação na saúde, como Defensoria Pública, Tribunal de Justiça, Ministério Público, Conselhos Regionais e a Comissão de Direitos Humanos da OAB, fica mais fácil para discutir uma forma de diminuir a judicialização na saúde. Nada se faz sozinho, por isso resolvemos chamar as instituições para que a gente some esforços para ver qual é a melhor maneira de atuação não só para o usuário do sistema de saúde, mas também de proteção ao profissional – médico, dentista, enfermeiro – que trabalham para a saúde”, salientou.

Inácio Krauss pontuou ainda que o intuito do Fórum é trabalhar para o usuário do sistema e também para os profissionais que estão sofrendo com a frágil saúde pública do Estado e dos municípios. “Espero que o Fórum se torne realmente permanente e que saiam dessas reuniões conclusões e decisões para que todas as instituições em conjunto possam pleitear as melhorias junto ao Governo do Estado e aos gestores dos municípios. Que sejam trazidas mais ideias para que possamos sair daqui do Fórum com soluções para melhorar o sistema de saúde e por consequência a judicialização”, afirmou.

Discussões

A presidente da Comissão de Direito Médico e Saúde, Clarissa Marques França, explicou que o Fórum visa discutir as questões que relacionam o direito à saúde e a efetividade desse direito no Estado de Sergipe.

Segundo Clarissa Marques, o excesso de judicialização da saúde é vista hoje como um problema porque acaba desvirtuando a questão da própria porta de entrada do Sistema Único de Sáude (SUS), e a designação do orçamento de saúde. “A gente está tentando entender de forma institucional tanto a OAB quanto as outras instituições de que forma vamos poder contribuir para uma judicialização mais racional, mais efetiva”, afirmou.

Para ela, a judicialização demonstra, em parte, uma falha do próprio sistema porque o cidadão recorre ao Judiciário em razão de muitas vezes  não ter tido o seu direito efetivado onde deveria ser – nos postos e unidades de saúde. “Ele acaba recorrendo ao Judiciário para poder efetivar um direito que é seu e o advogado tem a obrigação de defender o direito do seu cliente”, ressaltou.

Excesso e precarização
 
Clarissa Marques disse ainda que hoje é visto um excesso de judicialização atrelado a precarização do sistema público. “Foi aprovada uma emenda do congelamento dos gastos que afeta diretamente a saúde, porque a saúde é um dos mercados que se inova, mas o custo não reduz, muito pelo contrário, cada hora que se inova com aplicação de tecnologia, se ampliam os custos. No cenário atual de crise do País, com redução de orçamento, a gente vê a tendência de precarização, e isso pode refletir em uma judicialização ainda maior porque a partir do momento em que o cidadão não tiver o seu direito efetivado ele vai ter que recorrer ao Judiciário. Por isso, a OAB precisa estar inteirada de todas essas questões, principalmente no contexto de Sergipe porque nossa  realidade é diferenciada dos outros Estados, por mais que a gente seja pequeno está tudo muito concentrado em Aracaju e isso demanda dos entes públicos uma maior sinergia, que muitas vezes não ocorre,  e ademais é notória da situação de precariedade financeira do Estado”, pontuou.

Conforme informado pela presidente da Comissão de Direito Médico e Saúde da OAB, grande parte das ações ajuizadas na área da saúde são por desassistência. “Não são ações impetradas por não ter um motivo. Na verdade, se impetram ações na justiça porque o sistema de saúde não funciona. Gerando um duplo gasto para o Estado porque o poder público deveria fornecer o serviço logo, quando o cidadão chegasse ao posto de saúde ou a unidade. Quando isso não acontece, não podemos culpabilizar o cidadão, que  devido a desassistência, recorrer ao Judiciário na esperança de efetivar seu direito”, disse.

Clarissa explicou que essa foi à primeira sessão e a ideia foi que as instituições indicassem representantes para compor o Fórum permanente, para começar a trilhar os caminhos, com reuniões mensais para discutir as temáticas. “A ideia da comissão foi estabelecer um diálogo institucional para discutir do ponto de vista formal as questões relacionadas à saúde. Tivemos a adesão de várias instituições no Fórum Permanente, a discussão foi muito produtiva com diversas visões sobre a judicialização”, informou.

Palestras
 
A enfermeira Maria da Conceição Mendonça Costa, do Núcleo de Assessoramento Técnico ao Judiciário (NAT/ JUD) do Tribunal de Justiça de Sergipe (TJSE), falou sobre as estatísticas da judicialização da saúde desde 2016, quando o NAT/ JUD foi criado, sobre os casos mais judicializados, os custos e a relação desses casos com o fluxo da saúde pública, quais as maiores demandas dos casos que são judicializados em relação a medicamentos, a procedimentos clínicos e cirúrgicos, e as especialidades médicas. “Notamos que urologia, oftalmologia, endocrinologia são situações que realmente têm um número muito grande de processos de judicialização”, revelou.

Conceição Costa apresentou em sua explanação as estatísticas dos processos que chegam judicializados ao NAT/JUD. “São casos que já estão na Justiça e antes do magistrado dar a liminar de cumprimento os técnicos apresentam uma nota técnica dizendo se são favoráveis ou não aquele tipo de procedimento, se tem ou não tem na rede e se foram seguidos todos os fluxos do SUS. Depois que o juiz verifica a nossa avaliação é que ele se posiciona para dar a liminar. Atualmente, o Núcleo tem quatro médicos, dois farmacêuticos e três enfermeiros, além da equipe administrativa”, relatou.

Conceição ressaltou a importância do Fórum, ao salientar que a OAB está conseguindo integrar toda a sociedade médica, conselhos de classe, com a participação de diferentes profissionais, o que qualifica o evento.

Trabalho multidisciplinar

“Parabenizo a OAB pela iniciativa, é um Fórum superimportante, que está discutindo este tema que ainda é muito novo, apesar de já ter um número muito grande de processos. Desde que o NAT foi inaugurado já foram registrados três mil processos. E isso denota que a saúde não está tendo uma garantia integralizada porque se houvesse não teria a judicialização, por isso é preciso que a gente tenha mais estratégia para que a população tenha uma garantia mais qualificada desse acesso”, defendeu.

O defensor público e diretor da Câmara de Resolução de Litígios da Saúde da Defensoria Pública do Estado de Sergipe, Saulo Lamartine Macedo, também foi palestrante do evento. Na sua explanação, ele destacou a importância do trabalho multidisciplinar. “O primeiro passo que se percebeu para verificar uma necessidade de mediação e uma atuação concreta na saúde pública foram os operadores de justiça perceber que por si só não seria possível resolver as lides de saúde. É importante o trabalho multidisciplinar a fim de ter os subsídios necessários para formular uma demanda de maneira correta. Nesse contexto, há dois instrumentos que surgem, as Câmaras de Resolução de Litígios, e os NATs, que vêm qualificar a decisão judicial’, afirmou.

Saulo Lamartine também diferenciou em seu discurso a boa e a má judicialização. Segundo ele, a judicialização por si só não é um mal, porque ela às vezes é necessária para garantir ao assistido, o usuário ou cliente da advocacia os bens, serviços e direitos que foram previstos constitucionalmente e nas pactuações que foram incorporadas quando há uma falta, um desabastecimento.

Questionamentos

“A má judicialização é quando o operador de direito formula uma pretensão pedindo um medicamento de marca, sendo que há um substituto terapêutico na rede SUS que faz o mesmo efeito”, ressaltou.

Após as palestras foi aberto o espaço para a participação do público presente, e na oportunidade tanto advogados como representantes de Conselhos de Classe da área da saúde puderam se posicionar.

O advogado Maurício Ettinger realizou questionamentos a respeito de questões como a imparcialidade e eficiência do NAT/JUD. Já o secretário-geral da Sociedade Médica de Sergipe (Somese), Antônio Cláudio Santos das Neves, que no evento estava representando o presidente José Aderval Aragão, afirmou que falta organização no sistema de saúde para evitar a judicialização, bem como investimentos em políticas de prevenção.

A respresentante do Conselho Federal de Medicina, Dra. RiKa Cacuda, cobrou mais responsabilidade e compromisso dos gestores públicos, ressaltou o cenário de caos da atenção cardiológica nos últimos anos, que vem melhorando após a intervenção no Hospital Cirurgia.

O professor da UFS, Divaldo Lyra, representando o magnifico reitor, contribuiu com o conceito de custo-efetividade, tema ainda pouco explorado tanto pelo judiciário quando pelos gestores da saúde.

Já o presidente do COSEMS- Conselho dos Secretários de Saúde dos Municípios, senhor Enock Ribeiro da Silva ressalto a situação muitas vezes de medo dos Secretários municipais diante da judicialização.

Por fim, todos os presentes, concluíram que o fórum é um espaço importante para construção de posicionamentos, visando contribuir para transformação do setor de saúde em Sergipe de forma a garantir maior efetividade e eficácia do direito fundamental à saúde.