OAB/SE realiza roda de conversa sobre transfobia

O preconceito de gênero enraizado na sociedade torna a existência de transgêneros encurralada, seja violenta, social ou institucionalmente. Um exemplo disso foi o assassinato de Layza Fortuna, mulher trans morta a golpes de faca no centro de Aracaju, no dia 18 de outubro. Compreendendo a urgência da conscientização sobre o combate à transfobia, a Ordem dos Advogados do Brasil, em Sergipe, realizou, nesta quarta-feira, 07, a roda de conversa “Transfobia: Como reagir e quais medidas tomar, com foco no caso Laysa Fortuna”.

Organizado através da Comissão de Diversidade Sexual da OAB/SE, o evento aconteceu no auditório da Caixa de Assistência dos advogados de Sergipe e reuniu nomes importantes na luta a favor dos direitos de transexuais para debater suas realidades vividas através de cada campo de atuação.

O debate foi mediado por Tereza Cristina dos Santos Andrade, presidente da Comissão de Diversidade Sexual; Linda Brasil, ativista transfeminista e presidente da CasaAmor (associação filantrópica, assistencial, promocional e recreativa em prol da comunidade LGBTQI+); o delegado Mário Leone; a psicóloga Renata de Oliveira (representante da CasAmor); Jéssica Taylor, representante da UNIDAS (Associação de Travestis Unidas na Luta Pela Cidadania); o advogado, Jan Gustave Havlik; Daniela Andrade, membro do Instituto Brasileiro do Direito de Família (IBDFAM) e da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da OAB/SE; e o assistente social, Moisés Menezes.

Linda Brasil explica que a atividade foi pensada por conta dos últimos casos de violência à comunidade no estado. Ano passado foram dois assassinatos à transgêneros. Esse ano, já foram cinco. Para ela, isso se dá pela negligência institucional das entidades, despreparadas para lidar com a especificidade dessas agressões. Além disso, ela ressaltou a importância da educação e do entendimento sobre a diferença entre orientação sexual e identidade de gênero.

“Às vezes a pessoa até respeita o fato da outra pessoa ser homossexual, ter uma relação afetiva, mas a identidade de gênero é muito mais marginalizada por falta de debate, de consciência e de conhecimento do que é ser uma pessoa trans. Essa pessoa transita de um gênero para o outro e precisa ter sua identidade respeitada. O Estado já retifica o nome, mas ainda se percebem vários casos de exclusão”, afirma Linda.

O delegado Mário Leone comentou sobre a reunião com a Secretaria de Segurança Pública, muito positiva pelo pleiteio do funcionamento 24h das Delegacias de Atendimento aos Vulneráveis, uma reivindicação histórica nos movimentos LGBTQI+ e das mulheres, vítimas constantes de violência e preconceito.

“Quanto mais a mulher apanha à noite, nos finais de semana, a mesma coisa com as travestis profissionais do sexo. Acontece quando as delegacias estão fechadas. Inclusive a delegacia especializada, que oferece um atendimento mais humanizado, mais atento ao acolhimento dessas vítimas e à apuração desses crimes de ódio. Isso foi muito importante”, conta Leone, reforçando a importância do avanço do atendimento 24h.

A fala de Tereza Cristina, presidente da Comissão de Diversidade Sexual, se baseou nas estatísticas das mortes de LGBTs no país. Segundo ela, pesquisas de sociólogos apontam que as pessoas costumam associar a homofobia a causa maior das mortes no Brasil, não levando em conta que são transexuais e travestis as maiores vítimas nesse período de retrocesso.

“Essas pessoas não estão sendo incluídas na sociedade e o fato de estarem nas ruas coloca essa população à mercê de uma série de violências. Essa realidade reforça que nossa luta no momento é por inclusão”, reafirma Tereza.

Caso Laysa e a necessidade de conscientização e reformulação de políticas públicas

Jéssica Taylor, representante da UNIDAS, estava com Laysa no dia da violência que a levou a óbito. Na roda de conversa, ela narrou a experiência, relatando que também fora ameaçada pelo mesmo indivíduo poucos minutos antes, mas não reagiu para evitar o agravamento da situação.

Após o que aconteceu com Laysa, Jéssica foi requerer que a acusação ao agressor fosse de tentativa de homicídio, uma vez que ele havia sido liberado, pelo entendimento do delegado de que o ataque tinha sido apenas uma lesão corporal leve. Nessa discussão, ambas ainda passaram pelo constrangimento em relação ao seu nome social, não relevado pelas autoridades presentes.

“Eu não me sinto segura. A ficha ainda não caiu. Porque, como eu disse, quem está nas esquinas é que sabe, que sente na pele esses anos todos. E hoje eu vejo que esse caso de Laysa teve uma repercussão grande, e isso é importante para que não venha a acontecer de novo”, expõe Jéssica, que, como Laysa, ainda trabalha na rua como profissional do sexo.

Linda Brasil observou que 90% das transexuais e travestis do Brasil são compelidas à prostituição, por falta de acesso à educação, exclusão de casa e diversos empecilhos para a inserção no mercado de trabalho. Não obstante, o país ainda é o que mais mata transexuais e travestis no mundo, comunidade com a expectativa de vida de alarmantes 35 anos, principalmente pela ignorância e preconceito.

Para ela, levar o debate para espaços como a OAB é uma forma de buscar a cobrança para os casos de violência, além de levar informação a novos lugares, imprescindível para mudar a realidade da causa. “É fazer parcerias com essas instituições, ONGs, empresas, instituições em que muitas vezes a gente sofre violência por conta da falta de capacitação dos profissionais. Isso ajuda no fortalecimento da luta. O fato de fazer eventos como esse ajuda a que a sociedade tenha pelo menos conhecimento sobre as violências sofridas pela comunidade LGBT”.