OAB/SE debate em Seminário os retrocessos, avanços e desafios nos 20 anos do Estatuto da Cidade

Nessa quarta-feira, 14, às 18h30, foi realizado pela Ordem dos Advogados do Brasil, em Sergipe (OAB/SE), por meio da Escola Superior de Advocacia (ESA) e da Comissão de Direito Urbanístico e Ambiental, o Seminário 20 anos do Estatuto da Cidade. O evento contou com dois painéis e com a participação de seis palestrantes.

O diretor-geral da ESA, Kleidson Nascimento, fez a abertura do Seminário e deu às boas-vindas aos palestrantes e participantes do evento. Segundo ele, o Seminário celebra o Estatuto da Cidade que este ano completa 20 anos da sua publicação. Conforme Kleidson Nascimento, a Lei 10.257/2001 interessa aos cidadãos, cidadãs das cidades e a todos aqueles que se preocupam com os rumos urbanos, com o desenvolvimento humano e social das nossas cidades.

“Esse evento é para nós superespecial e foi planejado com muito carinho, com duas temáticas que nos fazem refletir em dois painéis, o primeiro a respeito da participação popular, da gestão democrática e dos instrumentos urbanísticos como hoje estão aplicados; e em um segundo painel a respeito do Plano Diretor, da gestão metropolitana e os desafios para os próximos 20 anos”, ressaltou.

A presidente da Comissão de Direito Urbanístico e Ambiental e mediadora do primeiro Painel intitulado “Estatuto da Cidade: Participação Popular e (In)Efetividade dos seus Instrumentos”, Robéria Silva Santos, ressaltou a alegria em realizar o Seminário juntamente com a ESA. Na oportunidade, ela saudou a todos os participantes e apresentou os palestrantes do Seminário.

Desenvolvimento sustentável

O auditor fiscal do Município de Belém/PA, professor titular Pós-Stricto Sensu I da Universidade da Amazônia (UNAMA), Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), Dr. em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido (NAEA/UFPA), Bruno Soeiro Vieira, agradeceu o convite e saudou a todos os participantes do evento.

Ao iniciar a abordagem da temática do Painel “Estatuto da Cidade: Participação Popular e (In)Efetividade dos seus Instrumentos”, Bruno Soeiro revelou que ao falar de participação popular é necessário fazer um resgate do fundamento da política urbana. Segundo ele, pela primeira vez na história constitucional brasileira existe um capítulo específico, destinado à política urbana.

“Um capítulo pequeno, constituído de dois artigos, mas que tem em si um simbolismo, uma força muito grande e que a partir de 1988 podemos dizer com muito orgulho que temos o capítulo da política urbana que orienta as diretrizes e gerou a possibilidade de nós termos uma Lei Geral do Direito Urbanístico, que é o Estatuto da Cidade”, afirmou.

Conforme o palestrante, o Art. 182 do Estatuto da Cidade diz que a Política de Desenvolvimento Urbano precisa estar pautada numa tripla dimensão: no desenvolvimento econômico, social e ambiental. “No meio ambiente urbano é necessário também pensar no desenvolvimento sustentável, é preciso entender que o capital imobiliário, o capital privado é importante, mas também que nas cidades, nas manchas urbanas, nas metrópoles, existem seres humanos, seres animais, seres vegetais que precisam da tutela estatal”, ressaltou.

Revisão interrompida

Bruno Soeiro também abordou o Plano Diretor. Ele citou o Art.40 do Estatuto da Cidade que diz que: “O plano diretor, aprovado por lei municipal, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana”. E o § 1º do Art. 40 traz: “O plano diretor é parte integrante do processo de planejamento municipal, devendo o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual incorporar as diretrizes e as prioridades nele contidas”.

“Ou seja, eu tenho o planejamento municipal constituído em quatro elos, como se fossem elos de uma corrente. Eu tenho o Plano Plurianual, a LDO, a Lei Orçamentária e também o Plano Diretor e para o Estatuto da Cidade desses quatro elos o mais importante é o Plano Diretor porque dá o norte, direção. Tenho observado que muitos municípios na concepção das suas leis de planejamento orçamentário-financeiro não se atentam para o que diz o Plano Diretor”, enfatizou.

O advogado e professor Dr. da Universidade Estadual de Maringá, Antônio Rafael Marchezan, foi o segundo a se apresentar. Ele revelou que na cidade de Maringá existe um Plano Diretor que estava sobre processo de revisão e foi interrompido porque o Ministério Público atendeu o pleito de parte dos setores da sociedade que entendeu ser inviável fazer as audiências públicas de forma virtual.

“Outro problema que vejo nesse momento em que se discute o Plano Diretor é a falta dos dados do Censo, porque como é que iremos discutir políticas públicas sem toda essa gama de informações do Censo, se a gente não sabe efetivamente qual é a população do município. É bem difícil nesse momento fazer essa discussão”, ressaltou.

Participação popular

Ele disse ainda que a paralisação dos trabalhos de revisão do Plano Diretor na sua cidade não foi pela ausência de instrumentos. “Os instrumentos estão todos no plano. É a inefetividade dos instrumentos, não a ausência”, disse.

Na sua apresentação, o palestrante falou ainda do Estatuto da Cidade, abordou também a forma como as cidades são produzidas e o processo de urbanização, e como ele tem observado o movimento da política urbana durante os 20 anos do Estatuto da Cidade. “Foram 11 anos de discussão até que os setores se organizaram e conseguiram a aprovação do Estatuto”, salientou.

A procuradora do Município de Salvador e professora Dra. em Direito Urbanístico pela PUC/SP, Angélica Guimarães, também revelou a sua alegria em participar do evento. Ela falou sobre a participação social e explicou se a participação tem sido efetiva ou inefetiva.

Potencial responsivo

“Vivemos um momento muito peculiar, um vórtice político, jurídico, social, econômico, atípico, gerado pela pandemia. Um momento em que a academia e os atores citadinos – sociedade, estado, mercado – são conclamados a repensar as cidades, a vivência”, salientou.

Conforme a palestrante em um momento em que se fala da efetividade e inefetividade de instrumentos é impossível pensar em resiliência. “Eu não posso mais pensar em falar de participação social, em gestão participativa, sem a garantia do diálogo entre os atores que conversam inexoravelmente no ambiente urbano”, disse.

Angélica Guimarães ressaltou ainda que há uma política e um sistema nacional de participação social regulamentados inicialmente pelo decreto 8243/2014. “O que me pergunto hoje é se ele tem potencial responsivo”, questionou.

Painel 2

O segundo painel teve como mediador o presidente da ESA, Kleidson Nascimento. A temática “Planos Diretores e Gestão Metropolitana: Perspectivas para os próximos 20 anos” foi abordada pelas painelistas Lilian Pires, Dra. de Direito do Estado pela PUC/SP, professora de Direito Administrativo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, presidente da Comissão de Direito Urbanístico da OAB/SP e integrante da Comissão Especial de Direito Urbanístico do CFOAB; Débora Sotto, procuradora do Município de São Paulo, Mestra e Doutora pela PUC/SP; e Daniela Libório, conselheira Federal pela OAB/SP e presidente da Comissão Especial de Direito Urbanístico do CFOAB.

A primeira painelista foi a professora Dra., Lilian Pires. Em sua fala ela destacou que 2021 é um ano de comemoração, um ano em que o Estatuto da Cidade faz 20 anos. “A luta pela reforma urbana nós precisamos entender como uma luta que cresceu e que nós temos conquistas, mesmo que elas estejam no campo Legislativo e ainda precisem de muitos ajustes de efetivação temos aí um caminho que a gente precisa lembrar, recuperar e ser um eterno otimista. Temos uma Constituição Federal, que institui a política urbana; temos o Estatuto da Cidade, o Estatuto da Metrópole e o Brasil participou ativamente da Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável e liderou um debate muito importante da inclusão do termo direito a cidade”, pontuou.

Lilian Pires disse ainda que grande parte das pessoas não vivencia o direito a cidade. “Ainda não incorporamos de modo efetivo a concretização desse direito a cidade – as possibilidades aos serviços, ao aspecto cultural e econômico que uma cidade proporciona”, disse.

Plano Diretor

A painelista Débora Sotto, que é procuradora do Município de São Paulo, Mestra e Dra. pela PUC/SP, relatou que o Plano Diretor foi trazido pela Constituição Federal de 1988, no Art. 182 § 1º como instrumento básico da política urbana brasileira, a ser aprovado por meio de Lei Municipal e obrigatório, no mínimo, para cidades com população de mais de 20 mil habitantes.

Conforme Débora Sotto, o Plano Diretor deve englobar o território todo do município, abrangendo, portanto, a Zona de Expansão Urbana e a Zona Rural. “O plano Diretor deve ser revisto pelo menos a cada 10 anos”, afirmou.

Desafios

Ela disse ainda que como o Estatuto da Cidade está completando 20 anos, a maioria das cidades brasileiras já está aplicando uma segunda geração de Planos Diretores já adaptados ao Estatuto da Cidade. “Isso permite a realização desse exercício que está sendo feito nesse evento ao avaliar o que funcionou, o que pode funcionar, porque nós já temos uma amostragem, uma série histórica em muitas cidades de pelo menos dois planos”, enfatizou.

Débora Sotto também se referiu a Aracaju, ao falar que a capital sergipana, como também as demais cidades litorâneas do Nordeste do país vão enfrentar desafios significativos relativos à elevação do nível do mar, por decorrência das mudanças globais do clima, com erosão costeira e destruição de infraestrutura instalada na costa. “Peculiarmente em relação aos municípios costeiros houve muito pouco avanço em relação à implementação dos instrumentos trazidos pela Política Nacional de Gerenciamento Costeiro”, frisou.

Reflexão

A painelista Daniela Libório, professora da PUC/SP, conselheira federal pela OAB/SP e presidente da Comissão Especial de Direito Urbanístico do CFOAB, fez uma reflexão sobre os 20 anos do Estatuto da Cidade e a interface de um Plano Diretor com gestão metropolitana. Ela propôs uma reflexão baseada na questão da ineficácia. “Porque que a gente não consegue? Tem muitas razões não é?”, disse.

Segundo Daniela Libório, há uma desestruturação das equipes técnicas nos ambientes municipais e isso deixa manco qualquer planejamento. “Se você não tem equipe técnica, não tem retenção de talentos”, afirmou.

Ela salientou ainda que é importante refletir a respeito da organização territorial, a questão do solo. “Quando a gente começa a buscar pistas a respeito dessa relação de planejamento e essa dificuldade de implementação penso no município que temos a partir do olhar jurídico, nós temos distritos e municípios. Dentro disso, ainda nós temos o urbano consolidado, a área urbanizável, a área de expansão urbana e a área rural. E se formos para o plano metropolitano, o máximo que se vai fazer é copiar um pouco dessa interface de distribuição territorial. Acho que falta uma identidade territorial metropolitana”, enfatizou.

Para assistir a palestra completa acesse aqui.