Ancestralidade e libertação do povo negro são motes enaltecidos no II Workshop da Comissão de Igualdade Racial

O resgate da ancestralidade, a libertação do povo negro e as aspirações democráticas étnico-raciais foram bandeiras levantadas e enaltecidas no II Workshop da Comissão de Igualdade Racial, promovido na tarde desta quinta-feira, 25, no plenário da OAB Sergipe.

O workshop foi realizado em alusão ao Dia da Consciência Negra, que acontece no dia 20 de novembro. A data homenageia e recorda a luta do herói e líder do Quilombo dos Palmares, Zumbi. Até a sua morte, ele defendeu sua comunidade e lutava pelos direitos de seu povo.

O evento rememorou o legado de resistência deixado por homens e mulheres da população preta que deram suas vidas por liberdade, justiça e igualdade. A luta de João Mulungu, um desses heróis, foi tema da primeira palestra ministrada no workshop.

A libertação do povo negro

Severo D’Acelino, ativista de direitos civis, militante do Movimento Negro e fundador da Casa de Cultura Afro Sergipana, palestrou acerca da importância de João Mulungu e sua contribuição para a libertação de milhares de negros escravizados em engenhos sergipanos.

Através de uma abordagem histórica, Severo considerou que a resistência negra em Sergipe é reflexo da luta e dos levantes engendrados por Mulungu. Em seu legado, ele formou quilombos predatórios em Sergipe e colaborou com a libertação de milhares de negros.

“Ele teve a perspectiva de luta e liderança, que nos deixou uma herança muito positiva através de suas ações. João Mulungu, aqui em Sergipe, e Quintino de Lacerda, em Santos, que liderou o segundo maior quilombo do Brasil – depois do quilombo de Palmares”, explicou Severo.

Severo ponderou sobre o resgate da história de líder no Estado. “Temos a imagem de Mulungu por meio da pintura de nosso companheiro da Casa de Cultura, Alberto Alcosa. Foi através dele que nós começamos a ter visibilidade do herói sergipano que foi João Mulungu”, rememorou.

“As lutas de Mulungu foram lutas libertárias. Apesar de não ter grupos estratégicos como havia em Palmares, ele foi o nosso herói. Era inspirado através das danças e educação e por isso várias manifestações em Sergipe buscam Mulungu como expressão à luta do negro”, disse.

Segundo Severo, abordar essa trajetória é falar também da realidade atual de violência policial contra a comunidade negra e de vilipêndios contra direitos humanos. “A democracia precisa ser fortalecida porque há muito se luta contra o extermínio da população negra”, asseverou.

Identidade e consciência negra

A importância e o reflexo da batalha de João Mulungu para a construção da identidade negra sergipana foram os temas abordados pelo presidente da UNEGRO Sergipe, Bruno Santana. Para ele, a identidade é fundamental para vencer o racismo e as disparidades étnico-raciais.

“É a partir da identidade que a gente pode trilhar um caminho para superação do racismo e das desigualdades étnico-raciais usando espaços como esse da OAB. Essa é a nossa função enquanto atores sociais ocupando esses ambientes e esferas da sociedade“, considerou.

“A maneira para superar isso é construir a autonomia e a potencialização do povo preto para vencer esse sistema capitalista exploratório, branco e patriarcal que nos escraviza até hoje. Precisamos ocupar distintos espaços para construir esse caminho”, defendeu Bruno.

A colaboradora da Comissão de Igualdade Racial da OAB Sergipe, Lucileide Ribeiro, também foi palestrante no workshop. Em sua explanação, Lucileide reafirmou a importância do Dia da Consciência Negra, que marca a importância das discussões e ações para combater o racismo.

A ministrante pontuou a data como um importante lembrete das tantas histórias e trajetórias que compõem a luta do povo negro, bem como um modo de propagar o pensamento antirracista e anticolonial, capaz de transformar o país na efetiva “Ordem e Progresso”.

“A data serve para a gente possa nos conscientizar sobre quem são as pessoas dignas de serem relembradas pela representatividade de quem construiu essa nação. É momento que lembra a luta de nossos ancestrais que entregam a própria vida pela liberdade de nosso povo”, abalizou.

A ancestralidade

A palestrante, Jouse Zuzarte, psicóloga e Iyalorixá do Ilê Axé Omon Tobi Oyá Lokê, pontuou em sua palestra o valor do resgate da ancestralidade dentro do cotidiano do povo preto, ante aos óbices e discriminações que negros e negras enfrentam nas esferas social, cultural e político.

Segundo Jouse, a ancestralidade é um instrumento de concretização para a decolonialidade e é símbolo da resistência. “A ancestralidade de João Mulungu, por exemplo, foi importante para a luta da população negra, para que nós pudéssemos chegar até aqui hoje”, afirmou.

“A luta dos povos pretos, dos quilombolas, de nossas comunidades e de nossos territórios, que ainda estão em resistência e encontram-se nessa diáspora, é árdua, mas estamos felizes porque a OAB se encaminha para atender as demandas de nosso território. É significativo”.

Uma das expositoras no evento foi Naná Vasconcelos. Dançarina, artista e coreógrafa, há cerca de 5 anos Naná tem se dedicado à dança afro. “A maioria dos meus trabalhos fala um pouco de minha ancestralidade. Sempre estou trazendo isso em minha arte”, contou a dançarina.

“A palavra-chave desse evento é visibilidade. Quanto mais a gente é visto, mais a gente vai ser lembrado e mais vai ser entendido. É assim que temos a oportunidade de passar a nossa mensagem com esperança de uma boa cidadania, do respeito e de um mundo melhor”, disse.

Nego B. Grove, diretor musical, percussionista e músico, também foi expositor no evento. Para ele, a ancestralidade é o ponto de partida para seu trabalho artístico. Nego B. considera ser uma das formas de aprender com o passado, viver o presente e construir o futuro.

“Para mim, é uma grande honra poder estar aqui na OAB mostrando a minha ancestralidade; mostrando de onde eu vim e onde eu nasci para que a nossa realidade possa mudar. Isso é importante, é uma forma de lutar para que a gente possa ser visto na sociedade”, afirmou.

Resistir e contribuir

Uma bandeira levantada no workshop foi a necessidade de permanecer na luta em uma nação que se alimenta da violência contra o povo preto. A vivência de resistir e existir diariamente no Brasil foi tema de uma poesia declamada por Manu Caiane, MC poeta, cantora e compositora.

“É sobre resistência. Escrevi essa poesia como forma de mensagem e de cura para expressar o que eu estava sentindo diante de um mês que é marcado por vivências e histórias do nosso povo. A poesia traz um pouco de sentimento de revolta que me causa viver essa realidade”.

Manu escreve desde os 7 anos de idade, herdeira da poesia da mãe, Gigi Poetisa. “Sempre usei dessa arte para expressar meus primeiros questionamentos sobre a vida, sobre como é ser mulher – e mulher negra – na sociedade. Desde então, continuo usando a poesia como cura”.

Para ela, trazer sua arte ao workshop “foi de grande importância para a representatividade da arte marginal e da juventude negra, principal alvo de um sistema que segue contribuindo para o plano de extermínio de negros e negras”. “Fazer poesia é resistência, é empoderamento”.

A presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB/SE, Monalisa Djean, sentiu-se realizada com a realização do evento. “É importante que a Ordem realize evento culturais e agregadores de conhecimento, pois a história do povo preto precisa ser trazida constantemente”.

O integrante da Comissão, Lívio Zuzarte, ponderou que a Comissão tem a oportunidade de ser defensora da causa étnico-racial por reflexo da luta de heróis como João Mulungu. “Eventos assim fazem com que as pessoas nos vejam e tenham espaço para que sejam acolhidos também”.

A vice-presidenta da OAB Sergipe, Ana Lúcia Aguiar, prestigiou o evento e destacou a importância do papel das entidades democráticas para o fortalecimento e a garantia dos direitos das minorias. “A OAB, a exemplo, Casa da Cidadania, exerce papel fundamental nesse aspecto”.

“Lembro-me quando, há cerca de seis anos, o CFOAB outorgou post-mortem o título de advogado a Luiz Gonzaga Pinto da Gama, um negro que, atuando como rábula, conseguiu alforriar, pela via judicial, mais de 500 escravos. Foi um marco histórico. Reconhecimentos como esses são vitais”, afirmou.