Revista Exame: presidente da OAB/SE fala sobre impeachment e delações premiadas

Nesta semana, a Revista Exame destinou seu espaço à Ordem dos Advogados do Brasil, em Sergipe. Em entrevista à revista, o presidente da entidade, Henri Clay Andrade, falou sobre o impeachment do presidente da república, Michel Temer, e fez duras críticas à forma de execução das delações premiadas no Brasil.

“Sou um crítico à forma como a delação premiada está sendo praticada no Brasil. É uma técnica importante para facilitar investigações e produção de provas para combate à corrupção. Mas, no Brasil, esse uso está aberto demais. É preciso criar regras mais objetivas, mais seguras, e critérios para que não se recorra às delações para tortura psicológica ou para que elas, como essas da JBS, se transformem em pura impunidade”, diz o presidente.

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Andrade, da OAB: Saiu barato para a JBS

Por Raphael Martins

Em reunião no último sábado 20, o conselho federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) definiu que entrará com um pedido de impeachment do presidente Michel Temer ainda esta semana. O motivo, claro, é a delação premiada dos empresários Joesley e Wesley Batista, sócios do grupo J&F, que, dentre outros detalhes, revelou uma reunião suspeita com o peemedebista.

Investigado em ações penais, Joesley foi atendido pelo presidente tarde da noite e fora da agenda oficial. Estes já seriam motivos suficientes, segundo a Ordem, para protocolar o impedimento. Há como adicional o teor das conversas, em que Temer ignora insinuações de que o empresário corrompia membro do Judiciário.

Um dos mais exaltados dirigentes da OAB na reunião do fim de semana era o advogado Henri Clay Andrade, presidente da ordem em Sergipe. Atacou não só o presidente, mas a punição branda dada aos irmãos Batista ao revelar os escândalos, que, ao pagar uma multa de 110 milhões de reais cada, garantiram total isenção de processos na Justiça.

Andrade destrincha um pouco de suas angústias em relação à Operação Lava-Jato e o combate à corrupção em entrevista a EXAME Hoje. Fala também do porquê de acreditar que a delação da J&F, apesar de importantíssima para a continuidade das investigações, saiu barata demais para os bilionários irmãos Batista.

O que o senhor acha do instrumento da delação premiada como um todo? Vê falhas?
Sou um crítico à forma como a delação premiada está sendo praticada no Brasil. Essa delação da JBS é somente o episódio que escandaliza em meio aos outros. Será um fato importante para finalmente as instituições se voltarem para uma reflexão e para mudança, e para o aprimoramento do instituto da delação premiada. É uma técnica importante para facilitar investigações e produção de provas para combate à corrupção. Mas, no Brasil, esse uso está aberto demais. É preciso criar regras mais objetivas, mais seguras, e critérios para que não se recorra às delações para tortura psicológica ou para que elas, como essas da JBS, se transformem em pura impunidade.

Ofende a lógica e o bom senso os termos firmados com os irmãos Batista. Não serão presos nenhum dia, sem cumprir nem domiciliar, morando no exterior e devolvendo apenas 110 milhões de reais em 10 vezes [cada um]. Só o que lucraram com a manobra de mercado, sabendo o que iriam provocar na economia, com a compra de dólares, é mais do que pagam na própria multa. Isso é uma imoralidade, uma indecência. Essa delação passa uma mensagem muito ruim para a sociedade. A delação não foi feita para passar esse recado de impunidade.

É como dar um recado para empresas corruptoras de que vale a pena corromper os políticos e, quando houver indiciamento, basta delatá-los, colocá-los na cadeia e ficar com o lucro da corrupção. Dali em diante, é pagar uma bagatela e morar no exterior. Esse conceito não é próprio de uma República. O princípio da moralidade é indispensável e fundamental para um saudável regime republicano. É incompatível esse tipo de acordo que constata a impunidade.

A JBS, o senhor diz, “escancara os defeitos” da delação premiada. Quais os fatores que indicam problemas nas demais delações?
Não se pode manter uma pessoa dois anos presa em provisória sob a condição de fazer uma delação. Isso ultrapassa as regras legais. É uma prisão arbitrária. A prisão não pode se perpetuar até a colaboração. É um instituto que está sendo manobrado da forma que se bem entende. É preciso rever e colocar regras e critérios mais objetivos, que dê pouca margem de manobra para não desvirtuar as finalidades da colaboração.

Mas o juiz federal Sérgio Moro dá justificativas para as prisões, como a coação da continuidade de atos corruptos. Nem assim acha válida a manutenção das prisões?
Toda ação tem uma justificativa e esta é a justificativa usada pelo Ministério Público. Mas investigação é técnica. Através da investigação se chega à prova. Utilizar delação com exagero é o pragmatismo de usar a delação como “única técnica” de se chegar à prova. Delação não pode ser a prova, mas um dos elementos facilitadores de uma investigação. Para investigar existe polícia e Ministério Público. A preventiva com o intuito de forçar uma delação desvirtua o instituto da delação premiada. Sérgio Moro nega que seja esse o intuito, mas não concordo com ele. Vejo exagero. Em dois casos emblemáticos, verifica-se extremos. Tanto de alguém que é mantido em prisão [José Dirceu e Antonio Palocci, por exemplo], como quem é libertado sem qualquer pena.

As delações da JBS entregaram uma quantidade enorme de novos elementos e eventos de corrupção em curso. Algo maior do que os 77 executivos da Odebrecht conseguiram. Nem assim se justifica uma punição mais branda?
Justificaria, mas não há punição nenhuma. Está certo, trata-se de um presidente da República, Joesley participou de uma ação controlada, correu riscos. Sem dúvida foi uma delação especial e muito grande em proporções. Desbaratou aí uma estrutura de corrupção muito grande e embrenhada no centro do poder. Merece tratamento diferenciado. Mas não a esse ponto. Se houvesse uma regra mais objetiva para determinados tipos de delações, teríamos uma linha de corte visível. A segurança da sociedade está no regramento legal. Uma lei que regula todos os casos, dá critérios objetivos e não deixa questionar. Deixar em aberto para a subjetividade das pessoas é muito inseguro e leva aos exageros.

Mas qual o principal problema neste caso? A falta de prisão ou a multa?
Não conheço os detalhes do processo, de tudo o que foi acertado com o Ministério Público. As coisas ainda estão sendo divulgadas aos poucos. Mas está claro que houve exagero na benevolência, no prêmio que foi dado. É um mal acordo, só saiu muito bom para quem delatou. Dá um indicativo para quem insiste em operar com essa perspectiva de corromper. A multa foi pequena demais, e não ter prisão, nenhuma condicional na pessoa física, é absurdo. Foi uma bagatela. Principalmente a questão de dinheiro. A devolução aos cofres públicos foi mínima.

O fato de haver um levante contra a impunidade a que foram submetidos os irmãos Batista foi inserido na narrativa do presidente Temer, que critica a decisão da Justiça de imunizá-los. Bater nessa tecla não dá uma vantagem ao presidente?
Temer tenta colocar a sociedade em dúvida. Ele precisa de apoio popular para se manter, mas é uma ação infrutífera. Não há mínimas condições de governabilidade. Ele já não tinha apoio popular, como se via nas pesquisas, e agora a perda constante de apoio político. O Brasil precisa é da renúncia imediata. Tentamos também por meio do impeachment, que é um processo traumático e leva meses, pois é preciso observar o devido processo legal.

Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara dos Deputados e quem decide de o impeachment será apreciado, é grande aliado de Temer. Vê alguma chance de prosperar?
Nós acreditamos que sim. O pedido está bem fundamentado, tem base jurídica prevista no artigo 85 da Constituição Federal. Os fatos veiculados na imprensa, que agora são de domínio público, apontam a conduta omissiva incompatível com o cargo de presidente da República. Só o encontro, na calada da noite, em que se relata crimes em série e o presidente não denuncia, não informa oficialmente ao Ministério Público, aponta para um comportamento que ofende o decoro ao cargo de presidente da República, configurando crime de responsabilidade. Mesmo que o diálogo fosse um monólogo, que o presidente não interagisse e ficasse calado o tempo todo, bastaria para abrir o processo.

Estamos muito seguros e tranquilos quanto à fundamentação e acreditamos, que, embora o deputado federal Rodrigo Maia seja um incontido aliado do presidente da República, deve ter maturidade e consciência de que ostenta o cargo de presidente da Câmara dos Deputados, e sua análise quanto ao pedido de impeachment deve ser rápida, racional e jurídica, e não pautada na sua vontade pessoal. Isso se chama responsabilidade pública do cargo. Não acreditamos que ele irá confundir as coisas. Isso não é brincadeira, a sociedade brasileira está acompanhando, a imprensa também, e a OAB estará atenta e vigilante para denunciar se houve ou não acolhimento de um pedido com fundamentos legais convincentes.

Tem algum procedimento legal que pode tratar da questão, caso Maia arquive o pedido?
Podemos provocar um recurso ao Plenário, segundo ordena o Regimento Interno da Câmara. Isso demora mais. Podemos também provocar um mandado de segurança junto ao Supremo Tribunal Federal. Podemos estar enganados, mas nossa crença é que ele não arquivaria um pedido impeachment com argumentos sólidos e fatos notórios, sem precedentes. Acolher um pedido não significa impedir. Mas acolher parece óbvio diante dessa situação confessa do presidente Temer.

A aposta é que Temer jamais renunciará, dentre outros fatores, pela manutenção do foro especial. O que acha da estratégia de defesa do presidente?
Os argumentos são frágeis. Fato é que estamos carentes de estadistas, que pensem na nação. O presidente Temer, nesse momento, tem demonstrado uma pequenez política. Toda vez que se pronuncia, são falas desastrosas, tanto do ponto de vista jurídico como político. Era melhor ficar calado. As negações de fatos que ocorram podem ser inclusive usadas nos inquéritos. São os “fatos notórios”, que independem de provas. É uma regra do Direito Processual. Embora diga que a gravação foi adulterada, confessa em todos os pronunciamentos que o diálogo aconteceu. A perícia é juridicamente irrelevante para o processo de impeachment. O encontro em si configura crime de responsabilidade. A estratégia ali é alterar algo em relação à questão do crime comum, pois vai haver produção de prova e instrução, para no final ficar a critério do Supremo. No impeachment, há uma natureza política essencial, que já foi quebrada.