1° dia do Webnário de Direitos Humanos: sistema carcerário, mecanismos de proteção e direito de jovens em debate

O webnário de Direitos Humanos promovido nos dias 09 e 10, pela Ordem dos Advogados do Brasil, em Sergipe, fomentou o debate interdisciplinar sobre perspectivas e desafios relativos a direitos humanos. Idealizado pela Comissão de Direitos Humanos, o evento foi transmitido através do Youtube.

O primeiro dia do evento contou com quatro painéis que colocaram em discussão os direitos humanos de crianças e adolescentes; o acionamento dos mecanismos internacionais para proteção dos direitos humanos; a educação; o sistema carcerário; e a segurança pública.

No dia 09, a abertura do evento foi realizada por Inácio Krauss, presidente da OAB/SE; Ana Lúcia Aguiar, vice-presidente da Seccional; Aurélio Belém, secretário-geral da Ordem; David Garcez, diretor-tesoureiro da OAB/SE; e Cezar Britto, ex-presidente da OAB/SE e do CFOAB.

Em sua explanação, Cezar Britto propôs uma reflexão sobre a relação entre a pessoa humana e a Constituição Federal. “O princípio da pessoa humana está inserido em nossa carta maior e, embora saibamos que não podemos rasgá-la, por que ainda precisamos discutir esse tema?”.

“Não basta estar em nossa Constituição para que esse princípio seja efetivado?”, indagou. Nesse contexto, o ex-presidente do CFOAB ponderou o papel da advocacia, que tem a missão de efetivar as leis. “E por isso eventos como este são importantes, pois fomentam essa luta”.

Também realizaram a abertura do evento os integrantes da Comissão de Direitos Humanos da OAB, Robson Barros (presidente), Pâmela Salmeron (vice-presidente) e Luís Felipe (secretário). Em sua fala, Robson relembrou a atuação da Comissão, firme na defesa dos direitos fundamentais.

“Há cinco anos, a Comissão vem buscando desburocratizar e dar uma resposta imediata a qualquer violação dos direitos humanos, acompanhando in loco qualquer violação de direitos básicos. Esse foi um grande desafio e uma grande conquista da Comissão, mediando os conflitos e contribuindo diretamente na sua resolução. Somos uma família compromissada com os direitos fundamentais, que tem o amor à defesa da dignidade humana”, afirmou.

“A CDH tem seguido a história da OAB, que tem como alicerce a defesa da democracia e dos direitos humanos. Essa atuação tem ocupado grande espaço aqui em Sergipe, sendo reconhecida por toda a sociedade, instituições, Estado. Em 5 anos, avançamos muito”, disse.

Painel 1 – Direitos humanos de crianças e adolescentes

Com a mediação de Acácia Lelis, Glícia Salmeron, presidente da Comissão Nacional de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente e Daniela Libório, conselheira Federal da OAB/SP, abordaram no primeiro painel do webnário os direitos humanos de crianças e adolescentes.

Daniela Libório deu início à sua explanação fazendo um recorte sobre o tema sob a perspectiva do Direito Urbanístico. “É no território urbano que todas as relações humanas se estabelecem na sociedade contemporânea. A cidade é palco do tipo de vida que a sociedade tem”, disse.

“Eu entendo que é um processo de emancipação social para o equilíbrio urbano, mas é preciso que as cidades sejam menos violentas e sejam mais inclusivas. Nossas cidades degradadas, seletivas, opressoras e violentas é uma escolha política. Não é um acaso; é uma decisão”.

Daniela afirmou que não há lugar para crianças e adolescentes nessas cidades e, através de uma breve abordagem histórica, afirmou o papel das famílias nesse contexto. “Se as famílias (seja ela qual for o tipo) não estão estruturadas, temos um Estado desestruturado”, abalizou.

Em seguida, Glícia Salmeron pontuou os principais desafios para a efetivação dos direitos das crianças e dos adolescentes, citando situações e experiências durante sua militância diária. “Queria que a gente refletisse sobre as vidas das crianças negras ceifadas recentemente”.

“É o Estado que deveria ter garantido a prioridade absoluta à vida de crianças e adolescentes. Isso está na Constituição Federal e no ECA. Se analisarmos esses assassinatos, foram crianças que pertencem a famílias vulneráveis e por isso é tão importante pensar no todo, na cidade”.

“São crianças negras. Não podemos esquecer que em nossa história essa é a realidade de como o Brasil foi povoado. Não há como a OAB continuar discutindo pautas isoladamente. É preciso fazer isso de forma transversal, como este debate está acontecendo”, disse Glícia.

Painel 2 – Acionamento dos mecanismos internacionais de proteção aos direitos humanos

Sob o tema “Acionamento dos mecanismos internacionais de proteção aos direitos humanos”, foram palestrantes do painel 2 Siddarta Legale, coordenador do Núcleo Interamericano de Direitos Humanos, e Carlos Nicodemos, integrante da Comissão Nacional de Direitos Humanos.

Em sua explanação, Siddarta Legale ressaltou a importância de acionar os mecanismos para a proteção dos grupos mais vulneráveis. “Esses grupos estão sendo profundamente impactados pelas políticas de austeridade do atual Governo e o impacto desproporcional da economia”.

“É preciso pensar em formas de concatenar melhor esse sistema internacional de proteção de direitos fundamentais”, abalizou. Siddarta deu enfoque à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que possui como extensão principal a Clínica Interamericana de Direitos Humanos.

“A Comissão é a porta de entrada do caso contencioso do sistema interamericano de direitos humanos. É um órgão quase judicial; ou seja, a decisão à princípio não é vinculante, mas funciona como uma espécie de Ministério Público transnacional”, explicou o palestrante.

Carlos Nicodemos palestrou em seguida. Ele citou desafios relacionados à advocacia, aos direitos humanos e ao sistema internacional. “Um deles é que na nossa cultura temos que trabalhar e desenvolver um conceito de direitos humanos que traduza o a gente acredita”.

“Os direitos humanos são dialéticos e pertencem à uma dinâmica de reconstrução de seu sentido, mas acho que a política relacionada ao sistema prisional na verdade é uma grande armadilha que nos aprisiona e nos impossibilita avançar em questões estratégicas”, pontuou.

“Nossa democracia tem sido desafiada duramente com o atual Governo Federal e tem resistido bravamente em razão do esforço que a gente faz nas trincheiras em sua defesa. Ela ainda é muito nova e nossa percepção dos direitos humanos ainda é incipiente”, abalizou.

Painel 3 – Educação e Direitos Humanos

Com a mediação de Wesley Santana, o painel 3 contou com as palestras de Daniel Ximenes, ex-diretor do Ministério da Educação, e Maria Batista Lima, pedagoga e doutora em Educação. Os ministrantes abordaram os principais assuntos relativos à educação e aos direitos humanos.

Daniel Ximenes é também responsável pela iniciativa “Pacto Universitário pela Promoção do Respeito à Diversidade, Cultura da Paz e Direitos Humanos” e falou sobre essa ação. “Quando o pacto foi criado, era um grande desafio para nós que atuávamos nessa temática”, contou.

“Nós pensávamos em como estruturar essa iniciativa como uma política pública. Nossa indagação era como tratar a educação dos direitos humanos no contexto de políticas públicas? Como fazer isso ser abordado em escolas, áreas de saúde, por professores, para alunos, etc?”.

Ele explicou o que são políticas públicas: ações desenvolvidas pelo Estado que visam efetivar direitos previstos na Constituição em interação com a dinâmica social e política. “Nesse campo a gente precisa construir narrativas que essencialmente são elaborações conceituais que permitam ajudar a decodificar o assunto junto à comunidade de políticas públicas”, aclarou.

Em seguida, Maria Batista Lima falou sobre as conquistas legais, como a Declaração dos Direitos Humanos. “Essa declaração serve como base para as diretrizes e documentos relacionados aos direitos humanos e como isso chega na educação”, considerou Maria.

“Dentro das diretrizes, também, para formação inicial continuada docente 2015, que vai reforçar essa necessidade da educação em direitos humanos na formação dos profissionais de educação. Para além disso, a questão das legislações direcionadas às relações étnico raciais”.

Maria abordou ainda a perspectiva de como a diversidade está sendo tratada apesar das conquistas legais. “É algo que nós precisamos discutir quais são os passos e desafios postos para a efetivação daquilo que desde 1988 a Constituição prevê e até hoje não é respeitado”.

Painel 4 – Direitos humanos, sistema carcerário e segurança pública

Encerrando o último ciclo de palestras do evento e com a mediação de Pâmela Salmeron, o painel 4 colocou em debate os direitos humanos, o sistema carcerário e a segurança pública. Foram palestrantes a mestre em Direito, Marina Lacerda, e o promotor, Luís Cláudio.

“Direitos humanos é bem mais amplo que falar do sistema carcerário, pois é uma das frentes mais importantes porque tende a existir uma série de vulnerabilidades. Costuma ser o primeiro contato com a forma estruturada dessas pessoas e tem uma série de demandas”.

Marina palestrou representando o Programa “Fazendo Justiça”, do CNJ. “Isso iniciou em 2018 e decorreu da DPF que declarou o estado de coisa institucional do sistema penitenciário. A partir disso, foi identificada a necessidade de uma série de medidas para melhoria do sistema”.

“O Programa tem diversas medidas e ações. Especificamente sobre o sistema carcerário, destaco o eixo 1, que é uma porta de entrada, e o eixo 3, que é realmente sobre as políticas de cidadania para presos e regressos”, aclarou. Ela explicou ainda sobre as audiências de custódia.

Em seguida, Luís Cláudio falou da experiência além da promotoria, abordando um extenso arcabouço teórico. Ele mostrou a relação entre os direitos humanos, o sistema carcerário e a segurança pública e abordou as distintas explicações dadas ao déficit de concretização de leis.

“Prefiro ver os direitos humanos não como uma instituição apenas para proteção do indivíduo, mas sim como uma instituição social. Os direitos humanos, na realidade, corresponderiam ao plano semântico da própria sociedade moderna, que possui sistemas distintos”, explicou Luís.

“É complexo discutir e implementar os direitos humanos porque há um grande paradoxo: os direitos humanos são espelhos que permitem normativamente julgar o que o Estado faz; por outro lado dependem do próprio Estado para que sejam respeitados. Esse é o problema”.