A Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Sergipe, através da sua Comissão de Direitos Humanos, vem a público externar o repúdio institucional ao enfraquecimento da estrutura do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), promovida pelo Decreto presidencial nº. 9.831/2019.
A prática de tortura configura um dos crimes mais horrendos e repugnantes que podem existir. O Brasil é signatário da Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, e da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura. Ao assinar estes documentos, obrigou-se junto à comunidade internacional a adotar medidas eficazes de caráter legislativo, administrativo, judicial ou de outra natureza, a fim de impedir a prática de atos de tortura em território sob sua jurisdição. Assumiu também o compromisso com a nação de combater duramente a prática institucionalizada e oficial de tortura até sua extinção.
Por força destas convenções e do compromisso internacional em combater práticas de tortura, especialmente aquele assumido no Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adotado em 18 de dezembro de 2002, o Brasil criou, em 2013, por lei federal, o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), órgão ao qual competem estudos, monitoramento, realização de visitas, proposições, relatórios, recomendações e observações acerca da prática de tortura no Brasil.
No entanto, na contramão, o advento do Decreto 9.831/2019 demonstra, na prática, um enorme retrocesso no combate à tortura no Brasil, ao exonerar todos os membros que atualmente tinham assento no MNPCT, bem como ao instituir que as funções dos integrantes do referido órgão não serão mais remuneradas. Tais circunstâncias enfraquecem o Mecanismo de Combate à Tortura, podendo inclusive tornar sua existência um simulacro, algo meramente formal, sem atuação efetiva. É importante ressaltar que a estrutura de trabalho do MNPCT é vital para o desempenho de suas funções, uma vez que as fiscalizações e relatórios demandam tempo, deslocamentos e recursos materiais.
Tal medida revela passo dado na direção contrária do combate e repúdio da tortura no Brasil e serve como um alerta para as instituições democráticas do que pode estar por vir. O enfraquecimento de organismos que visam combater a tortura abre espaço para se caminhar no sentido da flexibilização do combate à odiosa institucionalização da tortura.
Em um Estado Democrático de Direito, não se pode admitir que as autoridades ocupantes dos mais elevados cargos de representação nacional permitam ou sinalizem guarida à tais nefastas práticas contra a humanidade, internacionalmente condenadas, ou o afrouxamento do seu combate permanente.
Neste sentido, a OAB/SE põe-se em vigília institucional, atenta e vigilante à essa preocupante situação, mantendo-se em linha direta com o Conselho Federal da entidade para adoção das medidas legais cabíveis para questionamento do Decreto 9.831.
Por fim, a OAB/SE reafirma o seu compromisso com a defesa intransigente das liberdades públicas, os direitos sociais, as garantias individuais e a proteção de todos os cidadãos contra a tortura e tratamentos desumanos ou degradantes, valorizando, como fundamento constitucional da República Federativa do Brasil, o respeito e proteção do princípio da dignidade da pessoa humana.
Inácio José Krauss de Menezes
Presidente da OAB/SE