OAB/SE comemora Setembro Azul com inúmeras palestras voltadas para a conscientização e promoção da visibilidade da comunidade surda

A Ordem dos Advogados do Brasil, em Sergipe (OAB/SE), por meio da Comissão de Acessibilidade e dos Direitos da Pessoa com Deficiência e em parceria com a Campanha Nacional Oficializa LIBRAS no Brasil, realizou com sucesso na terça, 29, e nessa quarta-feira, 30, o Webnário Setembro Azul: Comemoração, Conscientização e Promoção da Visibilidade da Comunidade Surda.

O primeiro dia do evento contou com a participação do presidente da OAB/SE, Inácio Krauss, a presidente da Comissão de Acessibilidade e dos Direitos da Pessoa com Deficiência, MSc. Kamila de Souza Gouveia e a vice-presidente da Comissão Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Conselho Federal da OAB, Gisele de Souza Cruz da Costa, que realizaram a abertura. Na oportunidade, Krauss ressaltou a importância do Webnário que foi realizado com o objetivo de promover a visibilidade da comunidade surda e deu as boas-vindas a todos os participantes.

A Msc. Kamila de Souza Gouveia disse que, como pesquisadora e advogada especializada nos direitos da pessoa com deficiência, especialmente, das pessoas surdas, jamais a Comissão, sob sua gestão, deixaria passar despercebidas as comemorações do Setembro Azul perante a OAB/SE para a comunidade surda brasileira.

Em acréscimo, Gisele Costa, agradeceu o convite e afirmou que foi uma honra participar do Webnário. “É um evento muito importante para a comunidade surda e apesar de ter muitas leis que favorecem aos surdos, a exemplo da Lei Brasileira de Inclusão, nós ainda temos muitas lutas e uma das principais lutas que a comunidade surda tem é a obrigatoriedade de um intérprete de LIBRAS nos órgãos públicos e privados”, revelou.

Palestras 

Foram dois dias de intensas atividades. Na terça-feira, 29, o Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES, referência na América Latina, representado por Ana Regina Campello, chefe de gabinete da Direção, e Solange Rocha, historiadora do Instituto, explanou sobre “A história da pessoa surda, do Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES – e a formação educacional da pessoa surda”; o empresário Breno Nunes e o arquiteto Alexandre Ohkawa, ambos surdos de identidades surdas diferentes, falaram sobre “Diversidade, pluralidade e humanidade: identidade, cultura e orgulho surdo”; a empresa Hand Talk, premiada pela Organização das Nações Unidas – ONU como o melhor aplicativo social do mundo, palestrando sobre “A importância da tecnologia assistiva no meio virtual”; e a professora MSc. Alzenira Aquino, abordou o tema “Tradutores e intérpretes da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS: a acessibilidade entre o trabalho e a solidariedade”.

Nessa quarta-feira, a presidente da Comissão de Acessibilidade e dos Direitos da Pessoa com Deficiência, MSc. Kamila Gouveia fez os cumprimentos de reabertura com o presidente da Comissão Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, MSc. Joelson Dias, que destacou que o evento foi uma oportunidade de conscientização e promoção da visibilidade da comunidade surda. “É um evento que discute e leva ao conhecimento da sociedade em geral importantes temas da acessibilidade e da inclusão”, ressaltou. Ele destacou ainda que a LIBRAS tem que ser oficializada. “Num primeiro momento sabemos que está reconhecida legalmente apenas como meio de comunicação, o que já é um avanço, mas a comunidade surda reivindica a oficialização da Língua de Sinais, por isso a importância desse evento”, disse.

Na primeira pauta, a palestra “A ideia legislativa ‘Oficialização da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS no Brasil’: aspectos teóricos e práticos” foi conduzida pela presidente da Comissão e, também, autora da ideia legislativa e da campanha nacional “Oficializa LIBRAS”, Msc. Kamila de Souza Gouveia e pelo Senador da República Alessandro Vieira; em seguida, a Secretária Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos do Governo Federal, Priscilla Gaspar, abordou “Wikilibras e as ações da Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência em face das pessoas surdas”; a estudante Hannah Julia explanou sobre “Pulseira da conscientização: adolescente realiza na escola campanha de conscientização em homenagem ao dia do surdo”; o pedagogo e músico, Irton Silva, abordou a temática relacionada à cultura surda “Musilibras: a experiência da música para surdos e o som na pele”; e, por fim, Catharine Moreira falou sobre a expressão artística e poética da cultura surda através da pauta “Slam do corpo: cultura, liberdade expressão e poesia”, encerrando o evento com uma apresentação.

Palestrantes 

A professora do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), Ana Regina Campello, revelou que os surdos que estudaram no INES foram objetos dos instrumentos institucionais da metodologia oralista de assistencialismo. “Nós chamamos isso de surdez estrutural, que vem sob a égide de um assistencialismo construído sobre os pilares de uma visão clínica, reparadora e excludente. O Instituto criou um ambiente estrutural que prezava pela filosofia oralista e a inacessibilidade da Língua de Sinais pelos professores em sala de aula. Não há uma metodologia de ensino de Língua Portuguesa como segunda língua”, pontuou.

Conforme Ana Regina, a perspectiva dentro do INES não é algo muito fácil, nem tudo são rosas, nem tudo são flores. “Ainda hoje percebemos que a vida dos surdos tanto na sociedade quanto no INES não é cor de rosa”, afirmou.

História 

A historiadora Dra. Solange Rocha destacou em sua fala a atuação do ex-diretor do INES, o sergipano Tobias Rabelo Leite, que geriu o Instituto por 28 anos e foi um diretor muito importante para a sua história. “Ele era muito ligado aos surdos e produziu uma série de materiais e também tinha uma preocupação nacional com a instituição. Trazia livros dos Institutos de Paris e de outros locais da Europa, traduzia e mandava reproduzir e distribuir para as províncias de modo que as pessoas soubessem trabalhar com os surdos. Isso é um movimento de quem estava na estrutura de poder, criando espaços, a gente não pode negar a história”, disse.

Solange disse ainda que ao longo da história os Institutos foram fechando por razões múltiplas. “Muitos fecharam na 1ª Guerra Mundial porque serviram de hospitais de campanha. Acho que temos que olhar e compreender os processos históricos. O Instituto vem dessa tradição de criar um espaço de educação, socialização e profissionalização da pessoa surda. O INES com os seus 163 anos está aí, o Instituto permanece aberto por escolha, ele é financiado pelo imposto do cidadão brasileiro, uma instituição de educação e precisa ser fortalecido, compreendido e preservado”, relatou.

Acessibilidade

Na palestra sobre o tema “Diversidade, Pluralidade e Humanidade: identidade, cultura e orgulho surdo”, o empresário sergipano Breno Nunes falou sobre os desafios para empreender sendo pessoa surda. “Estava angustiado, porque estava desempregado, não conseguia trabalho e era muito difícil, havia muitas barreiras. Comecei a ter conhecimento sobre empreendedorismo, a estudar. Eu não queria ficar dependente e aí criei a il Sordo. Era algo inédito, que não tinha aqui em Sergipe”, ressaltou. A gelateria sergipana é a primeira no país a compor somente funcionários surdos com atendimento, exclusivo, em LIBRAS.

Breno destacou ainda em sua explanação a pluralidade de identidade dos surdos, da diversidade de gênero e acessibilidade.  “Em outros países como Estados Unidos e Argentina, o surdo não tem tanto problema comunicacional, mas aqui no Brasil tem alguns problemas de comunicação, então é preciso fazer adaptações”, afirma.

O arquiteto Alexandre Ohkawa também explanou sobre o tema. Ele disse que este momento atual é de resistência. Segundo Alexandre, há como sempre houve uma segregação em grupos. “Precisamos entender que temos diversos tipos de identidades como, por exemplo, os oralizados, os implantados, os que utilizam a LIBRAS, mas a gente não pode esquecer do surdocego. O que precisamos agora é que os surdos aceitem que têm essa diversidade, cada um tem o seu perfil que pode ser entendido através do processo artístico-cultural da comunidade surda”, disse.

Em seguida, Alexandre, representando a empresa Hand Talk, também falou sobre a importância do software de tradução da LIBRAS para o meio virtual. A Hand Talk foi fundada em 2012 pelo Ronaldo Tenório, Thadeu Luz e Carlos Wanderlan e realiza a tradução automática para as línguas de sinais brasileira e americana por meio de inteligência artificial. “O aplicativo foi criado para justamente quebrar essa barreira comunicacional entre surdos e ouvintes, principalmente dentro das empresas. A tecnologia pôde proporcionar essa comunicação”, explicou.

Tradutores e intérpretes 

A professora MSc. Alzenira Aquino abordou o tema “Tradutores e Intérpretes da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS: a acessibilidade entre o trabalho e a solidariedade”.  A palestrante disse que desconhece outra profissão em sua legalização que conste o termo “solidariedade”, além do tradutor e intérprete de LIBRAS.

Alzenira Aquino citou o art. 7º da Lei nº 12.319, de 1º de setembro de 2010 que regulamentou a profissão de Tradutor e Intérprete da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS. Nesse artigo, a lei diz que “o intérprete deve exercer a sua profissão com rigor técnico, zelando pelos valores éticos a ela inerentes, pelo respeito à pessoa humana e à cultura do surdo”.

Oficialização da LIBRAS

A palestra apresentada pela presidente da Comissão de Acessibilidade e dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Kamila de Souza Gouveia, abordou o tema “A ideia legislativa “A ‘Oficialização da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS no Brasil’: aspectos teóricos e práticos”. Kamila Gouveia é a autora da ideia legislativa de oficialização da LIBRAS.

“Essa língua que já é reconhecida no país, que é oficial através da Lei nº 10.436 de 24 de abril de 2002, mas não é oficializada. Para oficializar é preciso ser incluída no art. 13 da Constituição Federal, que diz que a Língua Portuguesa é a língua oficial do País. O reconhecimento apenas não é o suficiente. Quando a gente se depara na prática com os mecanismos de acessibilidade que a lei traz, a gente observa que esses mecanismos são falhos, não são eficazes”, enfatizou.

De acordo com Kamila, a ideia legislativa traz esse olhar, essa expressão de que comunidade surda se comunica na linguagem visual-motora e que oferece um alcance maior de comunicação do que a linguagem oral-auditiva.

O Senador Alessandro Vieira, que recepcionou a ideia legislativa para se tornar Proposta de Emenda Constitucional no país, destacou a importância da proposta, o seu apoio e os caminhos legislativos para a luta pela aprovação. Acrescentou “A gente recebeu essa proposta com muito interesse em razão da necessidade de redução de uma desigualdade social por conta de uma deficiência”, parabenizando a autora e advogada Kamila.

A Secretária Nacional, Priscilla Gaspar, também declarou seu apoio à ideia legislativa e acrescentou “Meu sonho é que nosso país seja bilíngue um dia”.

Wikilibras

A Secretária Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, Priscilla Gaspar, abordou o tema “Wikilibras e as ações da Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência em face das pessoas surdas”.

O Wikilibras é um instrumento social criado em 2013 que tem um avatar que faz a tradução de textos de sites do Governo Federal. “Coloca a palavra, o vocabulário e o surdo quando acessa, ele olha e se não conhecer a palavra na Língua Portuguesa e não entender o significado ele clica e o avatar faz a tradução da palavra”, explicou.

Ao assumir a Secretaria, Priscilla Gaspar realizou uma consulta pública para melhorar o projeto e identificou que as pessoas queriam melhoria no avatar. “A comunidade surda pede para que o avatar seja apenas para a questão dos textos. Não é para substituição de intérprete humano”, esclarece.