Nesta quinta-feira, 22, o primeiro dia da capacitação continuada em Direito e articulação em rede para população LGBTQIA+, realizada pela Ordem dos Advogados do Brasil, em Sergipe, abordou a trajetória, a justiça restaurativa e as sombras e traumas da população LGBTQIA+.
Foram debatedores Ana Carolina Jorge, delegada e coordenadora do Projeto Acorde da Polícia Civil de Sergipe; Marcelo Lima, assessor técnico LGBTQIA+ da diretoria de Direitos Humanos de Aracaju; e Sandra Aiachi Menta, professora do Departamento de Terapia Ocupacional da UFS.
Trajetória de lutas
Marcelo foi o primeiro a ministrar palestra no evento. Em sua explanação, o militante pontuou os avanços, lutas e desafios do Movimento LGBT de Sergipe. O conteúdo faz parte de uma pesquisa realizada por Marcelo que buscou o resgate histórico da organização política LGBT.
O palestrante citou as primeiras tentativas de organização de movimentos em defesa da população LGTB, que foram iniciadas com reinvindicações pelo fim da legislação europeia, pois era severa e punia e criminalizava os homens que tinham práticas sexuais com outros homens.
Marcelo pontuou a primeiras manifestações e revoluções organizadas em defesa dos direitos LGBT. “A revolução de Stonewall aconteceu em 28 de junho de 1969. Lésbicas, bissexuais, gays e travestis reagiram às constantes batidas dos policiais americanos no bar Stonewall”, disse.
De acordo com o ministrante, as primeiras organizações de homossexuais no Brasil surgiram em 1978, no Rio de Janeiro, quando artistas e jornalistas criaram o jornal Lampião da Esquina. “E em 2979, surgiu o grupo SOMOS – Grupo de Afirmação Homossexual”, explicou Marcelo.
Segundo ele, em Sergipe foram iniciados os movimentos de bairro em 1998. “Dentro do Colégio Médici, gays realizaram uma festa de halloween. Dois anos depois, foi criado o Fest Gay. Embora, sem nunca ter tido um caráter de seminários, palestras, oficinas, etc”, afirmou.
O surgimento da primeira ONG exclusiva de travestis se deu em 12 de julho de 1999. “Nessa data, nasceu a UNIDAS – Associação de Travestir Unidas na Luta pela Cidadania. Em 2002, a entidade organiza o Fórum Sergipano sobre Direitos Humanos e Cidadania”, contou Marcelo.
Os desafios da população LGBTQIA+
Em seguida, Sandra Aiachi Menta, professora do Departamento de Terapia Ocupacional da UFS e coordenadora do Programa Acorde, falou sobre as sombras e traumas da população LGBTQIA+, citando os principais desafios que essas pessoas enfrentam diariamente.
Sandra iniciou sua explanação com uma fala de Bruna Benevides, atuante na luta pelos direitos humanos: “como fruto de muitas lutas, o Brasil é bem avançado nas conquistas dos direitos das pessoas LGBTQUIA+, mas a maioria não consegue acessar esses direitos”.
“As pessoas não entendem porque algumas mulheres trans não querem retificar seus nomes. A respostas é que se o fizerem, elas perdem direitos. Com um nome retificado ela terá muito mais dificuldade de acessar direitos como o direito um benefício. Vai muito além do ‘querer’”.
Sandra apresentou perspectivas de Bruna Benevides, que afirma como desafios da população LGBTQIA+ o fato de o movimento histórico de luta pelos direitos ser transancestral [muito antigo]; e o resgate da narrativa em espaços sociais contando com parcerias na luta e na vida.
“Além disso, os desafios da população LGBT, segundo Bruna, são sobreviver; acessar políticas públicas; reconhecimento da identidade de gênero; construir outras formas de ser e existir; precarização e vulnerabilização das pessoas trans para gerar vidas vivíveis”, afirmou.
A palestrante apresentou dados alarmantes, com o intuito de sensibilizar a sociedade acerca da temática. “A estimativa de vida das pessoas trans está em torno de 35 anos, enquanto na população geral é 79 anos. São roubados dessas pessoas cerca de 34 anos de existência”.
“A população LGBT tem dificuldade de sobreviver dado a violência cotidiana por preconceito e intolerância; sofre com a exclusão dos espaços onde possam estudar e quem sabe adentrar ao mercado formal de trabalho; sofre também com a exclusão nos espaços de poder; etc”, disse.
A justiça restaurativa
Encerrando o ciclo de palestras da capacitação, Ana Carolina Jorge, delegada e coordenadora do Projeto Acorde da Polícia Civil de Sergipe, abordou a justiça restaurativa. A palestrante guiou sua explanação sob aspectos da obra de Howard Zehr: Justiça restaurativa e prática.
Ana Carolina esclareceu que a origem da justiça restaurativa é antiga. “Ela vem de tradições indígenas, de tribos africanas, de religiões, mas ela começa a ganhar corpo por volta de 1970, pelos Estados Unidos, pela Nova Zelândia, etc, principalmente com Howard Zehr e Kay Pranis”.
“O conceito da justiça restaurativa é ainda um conceito muito aberto, que está em construção. Ela é o conjunto de princípios e valores que vão nortear a prática dessa justiça. Ela também é uma filosofia e uma nova lente sob a nova perspectiva de como resolver questões criminais”.
A delegada explicou que o foco principal é a vítima. “No sistema tradicional de justiça a vítima, que deveria ser sujeito de direitos e ter vez e voz, é apenas um instrumento para produção de provas. Ela sequer pode colaborar para a construção da solução daquele conflito”, afirmou.
“Nós do sistema criminal não somos ensinados a ouvir a vítima. Somos ensinados a encarcerar e resolver o problema. Isso é importante, sim, mas também existem outras formas, soluções e outros caminhos que podem ser usados para a solução do problema criminal”, avaliou Ana.
A delegada falou da necessidade de corrigir injustiças cometidas durante o atendimento de pessoas LGBT. “Muitas vezes a justiça não reconhece o gênero das pessoas e é muito doloroso precisar se reafirmar. É preciso corrigir as injustiças que atacam os direitos humanos”, disse.
Segundo dia de capacitação
O último dia da capacitação falará sobre mediação de conflitos; políticas públicas e educação; política pública do DAGV no atendimento às minorias LGBTQIA+; e comunicação não violenta. Os palestrantes serão Cristiane de Oliveira; Gabriel Machado; Meire Mansuet; e Enéas Moura.