Na última quinta-feira, 10, o segundo dia do Webnário de Direitos Humanos realizado pela Ordem dos Advogados do Brasil, em Sergipe, colocou em debate a igualdade racial e LGBTQIA+; a justiça social; a importância do SUS; e o gênero, os direitos humanos e o acesso à justiça.
Promovido nos dias 09 e 10, o evento fomentou a discussão interdisciplinar sobre perspectivas e desafios relativos às garantias humanas. Idealizado pela Comissão de Direitos Humanos, o webnário foi transmitido (e ainda pode ser assistido) através do canal da OAB/SE no Youtube.
No último dia de webnário, contou com a abertura solene de Robson Barros, presidente da Comissão de Direitos Humanos e conselheiro seccional da OAB/SE. Em sua fala, Robson pontuou a importância do evento e a riqueza nos debates sobre os temas abordados.
Painel 1 – Direitos Humanos, igualdade racial e LGBTQIA+
O painel 1 do segundo dia de webnário abordou a igualdade racial e LGBTQIA+. Com mediação de Monalisa Djean e Mônica Porto, foram palestrantes Manoel Ilson da Silva, membro da Comissão de Igualdade Racial, e Joel Pires, membro da Associação Brasileira de Intersexos.
“O debate da igualdade racial dentro do âmbito dos direitos humanos é, cada vez mais, um debate relevante, uma vez que o racismo está se tornando uma degradação social e gerando enormes conflitos sociais. O debate sobre o tema é cada vez mais importante”, disse Manoel.
Em sua fala, Manoel falou sobre racismo estrutural. “Para entendermos o racismo estrutural, é preciso voltar aos tempos de escravidão. Quando se preparavam para aboli-la, já se estruturaram leis que traziam um grande impacto na vida do negro dentro da sociedade”.
“Eram leis que proibiram os negros de estudar, de adquirir terra, e após a Lei Áurea se iniciou um trabalho de desqualificação do povo negro. Foi criada a história de que os negros eram preguiçosos e as negras vadias. Os negros passaram de ser objetos para um nada”, afirmou.
Em seguida, Joel Pires explanou sobre acessibilidade e dificuldades enfrentadas pelas pessoas com deficiência. “O Brasil é um país negacionistas. Algumas pessoas deveriam estar pensando em políticas públicas para nos incluir, mas permanecem negando a existência de problemas”.
“Se nega que há racismo no Brasil então não se pensa em políticas de inclusão em questões raciais. Quando se diz que não há problemas com capacitismo, não se resolve o problema. E quando o capacitismo se soma a outras coisas como machismo e racismo, só piora”, disse.
“Quando falamos de acessibilidade, não falamos só a do meio físico. É por isso que é preciso colocar as pessoas que passam por aquilo para que mudanças sejam implementadas. Por exemplo, embora eu seja PCD eu consigo caminhar; então posso não me atentar em rampas”.
Painel 2 – direitos humanos e justiça social
Com a mediação de George Costa, a líder do Grupo de Pesquisa Desigualdades e Direitos Fundamentais no CNPQ, Karyna Sposato, e o coordenador do Núcleo de Direitos Humanos e Promoção da Igualdade, Sérgio Moraes, falaram sobre direitos humanos e justiça social.
“Muitas vezes os direitos humanos são vistos apenas na defesa das pessoas privadas de liberdade. Infelizmente, é uma visão ainda muito reducionista e o debate de hoje é importante para justamente ampliar a visão sobre o que é o ideário dos direitos humanos”, disse Karina.
“A Declaração de Direitos Humanos é um instrumento, sem dúvidas, universal, plural, foi construído numa perspectiva unilateral e até hoje funciona como um marco histórico na defesa dos direitos fundamentais, de forma que cada país, estado, pode se utilizar dele”.
Karina defendeu que é preciso estar cada vez mais capacitado para utilizar como referência os meios internacionais em prol das garantias locais. “Para a gente ter um desenvolvimento local igualitário e justo, precisamos olhar para cada realidade dentro de suas especificidades”.
Sérgio Moraes palestrou em seguida acerca dos avanços em relação ao tema. “Quando a dignidade da pessoa humana foi colocada na Constituição de 1988, isto quis dizer que o ser humano não pode ser um objeto; ele é um fim em si mesmo; a razão da existência de tudo”.
“A Constituição nos deu um aparato normativo a respeito de tudo. Se discutir uma relação de trabalho, antes deve se discutir dignidade da pessoa humana. Se discutir a prisão de uma pessoa, deve-se discutir a dignidade da pessoa humana. E assim em qualquer âmbito”, aclarou.
Através de uma breve abordagem histórica, Sérgio falou sobre os preconceitos relativos aos direitos humanos, intensificados desde a ditadura militar. Ele ponderou ainda sobre a relação umbilical que há entre direitos humanos e justiça social, propondo uma reflexão sobre o tema.
Painel 3 – Importância do SUS como garantia de um direito humano
A mediação do painel 3, que abordou a importância do Sistema Único de Saúde, foi realizada por Welma Mendonça e as palestras foram ministradas pelo ex-presidente da OAB/SE e do CFOAB, Cezar Britto, e pelo médico, com especialização em saúde pública, José Almir Santana.
José Almir Santana deu início às explanações explicando sobre os tipos de atendimento do SUS. “Três setores compõem o SUS em termos de unidades. Temos as Unidades Básicas de Saúdes, os postos de saúdes, as Unidades de Pronto Atendimento e os hospitais”, aclarou.
“O SUS é muito organizado, pois é feito de comissões municipais e estaduais. Os programas do SUS são exemplos para o mundo, como o SAMU – um serviço 24 horas e bem preparado. O de Sergipe foi um dos primeiros do Brasil e serviu de espelho para a implantação de outros”.
“Ao invés de tentar acabar com o SUS, deveria estar investindo em melhorias nele. O programa de tabagismo é um desses serviços que são exemplos. A pessoa que quer parar de fumar se cadastra, ganha medicamento, tem assistência psicológica, orientação, etc”, disse.
Em seguida, Cezar Britto ponderou sobre a ruptura que a Constituição de 1988 realizou. “O SUS decorre justamente da nova concepção que nossa carta maior deu: havia antes uma lógica autoritária em que o Estado era nepotista e a saúde e educação não eram direitos do povo”.
“Ao romper essa lógica, a Constituição elevou a política de direitos humanos a um patamar constitucional, colocando a saúde como um direito universal e um dever do Estado. Isso traz no SUS essa compreensão de que a educação é a maior ferramenta contra a opressão”, disse.
Cezar ponderou a concepção de unicidade trazida pela carta maior. “Ela previa que as pessoas precisaram se olhar no mesmo patamar de olhar e o SUS vem nessa perspectiva constitucional. O SUS nos orgulha e demonstra a importância do ser humano sob o olhar da saúde”, pontuou.
Painel 4 – gênero, direitos humanos e acesso à justiça
Encerrando o evento, o painel 4 teve o tema “gênero, direitos humanos e acesso à justiça”. A mediação foi promovida por Carla Caroline de Oliveira Silva e as palestras foram realizadas por Elizabeth Guimarães Rocha, ministra do STM, e Adélia Pessoa, conselheira federal da OAB/SE.
“Há limitações impostos à mulher para reivindicações de direitos perante o poder judiciário. A nome heteronormativa insiste, lamentavelmente, em prevalecer como um nefasto produto histórico e cultural e o acesso à justiça está ligado a essa opressão feminina”, disse Elizabeth.
Elizabeth falou que a garantia vai de encontro ao princípio da inafastabilidade da jurisdição, previsto na carta política que assegura às pessoas a apreciação de lesão. “A relevância da matéria é grande que foi pauta de discussão no curso interdisciplinar de direitos humanos”.
“Alocado como um direito individual e coletivo, acender ao judiciário pode ser considerado o alicerce das garantias constitucionais, de modo que sua função impacta de forma direta no exercício de demais clientes. Mas há uma grande marginalização e segregação cultural”.
Em seguida, Adélia Pessoa, falou sobre a mulher em situação de violência e o acesso à justiça. “Sabemos que 2020 assiste à duas pandemias: uma sanitária; e outras que existe há muitos séculos e é bem velada: a violência de gênero. E com o isolamento social isso se agravou”.
“A pandemia gerou um grande impacto nas relações familiares. A violência contra mulher, doméstica e familiar aumentou em muito. Essa rota crítica de a mulher chegar até a polícia ficou ainda mais difícil com a pandemia porque houve obstáculos a mais nesse percurso”.
“Nós tivemos uma lei que assegurou o pleno funcionamento durante a pandemia dos órgãos de atendimento à mulher, crianças, idosos, vulneráveis em geral. Este atendimento é considerado um serviço essencial, que não pode ser interrompido”, explicou Adélia.
A palestrante defendeu que o acesso à justiça é um direito básico. “Dentre as visões do acesso à justiça, existe a dimensão normativa informal. O reconhecimento dos direitos pelo Estado e sua formalização em leis. Isso está adiantado. Se proliferam leis, mas precisamos efetivá-las”.
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