O artigo “O futuro da democracia”, de autoria do presidente da OAB/SE, Inácio Krauss, foi publicado no site do Conselho Federal da OAB. No texto, o representante da advocacia do Estado faz uma reflexão sobre a manutenção da democracia e os desafios atuais impostos pela situação pandêmica. Inácio conclama a advocacia ao cumprimento de seu compromisso: defender a cidadania, a Constituição e o Estado Democrático de Direito.
“Apesar do momento conturbado vivido pela humanidade, quando instituições e lideranças são postas à prova e parcela expressiva da população mundial questiona as virtudes da democracia, o legado do iluminismo – liberdade, igualdade e fraternidade – precisa seguir sendo uma aspiração diária. A democracia tem muitas imperfeições, é verdade, no entanto, tem-se provado um sistema menos desumano se comparado aos demais. A missão deve ser aperfeiçoá-la”, diz.
Confira o artigo completo:
7 de agosto de 2020 – INÁCIO KRAUSS
O coronavírus acentuou problemas viscerais do sistema capitalista ainda decorrentes da crise financeira que corroeu fortunas e levou à falência bancos e empresas em 2008. Desde então, também pelo acelerado desenvolvimento tecnológico, a desigualdade só cresce e para a maioria da população mundial a responsabilidade recai sobre o atual modelo político, a democracia.
Quando a economia desanda, múltiplos setores são afetados direta ou indiretamente, notadamente o político. De fato, a insatisfação global com a democracia atingiu nível recorde em 2019. Pesquisa da Universidade de Cambridge, com dados de 154 países ao longo de várias décadas, registrou no ano passado o “mais alto nível de descontentamento popular com o sistema” desde 1995. Segundo a pesquisa, a proporção de indivíduos que se dizem “insatisfeitos” com a democracia aumentou significativamente desde o início da investigação, subindo de 47,9% a 57,5%.
Os dados sugerem algo preocupante: a ascensão do populismo em países como Hungria, Polônia, Brasil e até mesmo nos EUA, berço da civilização moderna, talvez seja menos uma causa e mais um sintoma desse mal-estar, como decorrência do fracasso das instituições democráticas ao lidar com as principais crises da atualidade, dos colapsos econômicos a ameaças como o coronavírus.
A discussão sobre o futuro da democracia, portanto, faz-se urgente, sobremodo quando governos com pendores autoritários tentam se aproveitar de cenários adversos, como o de agora, para obter mais poder e, por consequência, conquistar maior controle sobre a sociedade e as instituições.
No Brasil renitentes ataques à democracia geraram forte reação das instituições e da imprensa, que mostram-se preparadas para enfrentar tais arroubos. No tocante a OAB, até pela condição de liderança histórica da sociedade civil, atos antidemocráticos, por vezes disfarçados sob o manto da liberdade de expressão e de manifestação pública saudavél, têm sido repudiados de maneira incisiva.
Esses movimentos e opiniões contra a democracia e de exaltação à ditadura militar, de triste lembrança, veem os políticos como adversários do interesse público, sendo este de fato o principal fundamento da crise da democracia representativa que assola também outros países. A boa notícia é que o Brasil segue fiel ao regime: pesquisa Datafolha de junho diz que 75% dos eleitores apoiam a democracia – um recorde desde 1989, quando o instituto passou a avaliar a questão.
A derrota das “vivandeiras do atraso”, contudo, não encerra o papel da OAB e das instituições, que devem permanecer em constante vigilância e de prontidão para a luta! Aliás, no meu pensar, advogado e advogada que não defende a Constituição Federal e o Estado Democrático de Direto deve ser excluído dos quadros da OAB, e deixar a advocacia. O exemplo começa em casa.
Por fim, uma reflexão: apesar do momento conturbado vivido pela humanidade, quando instituições e lideranças são postas à prova e parcela expressiva da população mundial questiona as virtudes da democracia, o legado do iluminismo – liberdade, igualdade e fraternidade – precisa seguir sendo uma aspiração diária. A democracia tem muitas imperfeições, é verdade, no entanto, tem-se provado um sistema menos desumano se comparado aos demais. A missão deve ser aperfeiçoá-la.
Assim, referendo as palavras do historiador israelense Yuval Noah Harari, professor da Universidade Hebraica de Jerusalém e autor de “21 Lições para o Século 21”, para quem a sobrevivência da democracia liberal depende sobretudo do desenvolvimento de um novo projeto político mais alinhado às realidades humana, científica e ao potencial tecnológico.
É preciso agir antes que seja tarde demais.