IV Seminário Relações de Gênero, Religiões e Direitos Humanos debate a diversidade de gêneros, seus enfrentamentos no âmbito de sua fé e garantias fundamentais

O Seminário “Relações de Gênero, Religiões e Direitos Humanos” da OAB Sergipe conta com a participação de pesquisadores, representantes e adeptos de diversas religiões. Em cada edição, o evento traz abordagens distintas sobre o entrelaçamento entre religiões e questões de gênero.

Nesta quarta-feira, 20, promovida pela Comissão de Liberdade Religiosa da OAB/SE, a quarta edição do Seminário reuniu análises a partir de quatro eixos temáticos: direitos humanos, cristianismos, religiões de matriz africana e perspectivas do público LGBTQIA+.

Em sua fala, a presidente da Comissão, Isabella Sandes, aclarou sobre o caráter do evento. “Em cada edição trazemos perspectivas variadas. Hoje trouxemos a do catolicismo, em outra trouxemos do protestantismo, etc. Sempre buscamos trazer olhares de diversas religiões a fim de fomentar debates e aprendizados acerca de religiões menos conhecidas, e de como cada uma delas acolhe a diversidade de gêneros. Ademais, ressaltou que o evento trata-se de uma pauta social, pública e plural”.

O evento contou com a explanação de sete convidados, entre atores sociais, pesquisadores e líderes religiosos, e foi prestigiado pela presidente da OAB Sergipe em exercício, Ana Lúcia Aguiar, e pelo presidente da Comissão de Direitos Humanos, Robson Barros.

Em sua fala, Ana Lúcia ressaltou a importância de debater temas ligados às vivências sociais de pesquisadores e especialistas interreligiosos sob as mais diversas perspectivas. “É uma honra nossa casa fomentar uma discussão assim, principalmente em tempos de tanta intolerância”.

Robson Barros destacou o currículo, a experiência e a militância dos convidados. “Esse espaço de discussão é muito importante. A Comissão de Direitos Humanos sempre teve essa luta de militância dos especialistas que estão aqui hoje para contribuir e enriquecer esse debate”.

Religião e Direitos Humanos

Sob o tema “Religião e Direitos Humanos”, a primeira mesa redonda do seminário foi iniciada com a explanação de Ilzver Matos, presidente da Comissão da Verdade Sobre a Escravidão Negra da OAB/SE, pesquisador e militante do movimento negro e afrorreligioso no Estado.

Em sua palestra, Ilzver apresentou uma perspectiva crítica entre o papel político das religiões e os direitos humanos. Ele teceu duras análises acerca da ocupação de diversas religiões cristãs no poder político, trazendo pautas e iniciativas contrárias à efetivação dos direitos humanos.

“As saídas para isso são as religiões de matrizes africanas. Elas sempre estiveram conectadas com a população mais pobre e estão localizadas em regiões mais afastadas, onde falta de tudo: saúde, moradia, alimento. E quem supre essas necessidades acaba sendo o terreiro”.

Ilzver defendeu que até no Sistema Único de Saúde a atuação dos terreiros é considerado de saúde pública. “São locais que se preocupam com o físico e o espiritual, além de serem espaços de manutenção da cultura e da tradição, que é um direito humano”, abalizou.

Em seguida, a presidente da Comissão de Direitos LGBTQIA+ da OAB Sergipe e especialista em Direito Homoafetivo e de Gênero, Môni Porto, propôs uma reflexão sobre o acolhimento dos locais e templos religiosos às pessoas LGBT, contando sua vivência como pessoa intersexo.

“Vejo que dentro de religiões alguns paradigmas precisam ser quebrados. A gente sempre acha que nossa religião vai abraçar todos e todas, mas nem sempre é assim na prática. O problema nem sempre é da religião, mas sim das pessoas que estão à frente dela”, disse.

Cristianismos e Relações de Gênero

O padre, Anderson Pina, mestre em Teologia e membro da Sociedade Brasileira de Teologia Moral, falou em suas explanações sobre o conceito de respeito e aceitação. Ele participou da segunda mesa de discussões que trouxe como tema “Cristianismos e Relações de Gênero”.

Ele pontuou os desafios de viver em uma sociedade plural. “O cristianismo e as questões de gênero devem partir do respeito, não confundindo com aceitação. Entendo quem quer aceitar a ‘ideologia de gênero’, mas não me obrigue a aceita-la porque esse é um país democrático”.

“Sabemos que não é fácil viver em uma sociedade plural, mas é preciso respeitar os diferentes. A palavra certa é o respeito acima de tudo, que é de sociedades avançadas, que dialogam, se respeitam e se querem bem e buscam um caminho de felicidade”, abalizou o padre.

Nesse contexto, Romero Venâncio, formado em Teologia e em Filosofia, mestre em Sociologia e doutor em Filosofia, asseverou que a ‘ideologia de gênero’ é uma falácia. “É um equívoco muito sério. Eu oro para que a igreja católica abandone essa falácia ideológica”, afirmou.

“Não existe ‘ideologia de gênero’. É crime de lesa intelectualidade dizer que educação sexual é ideologia de gênero. Ser uma construção social não afeta o perene. Todas às vezes que a ‘ideologia de gênero’ é pautada, também são pautados machismo, homofobia e transfobia”.

“Transfobia, machismo e homofobia são pecados e eu posso provar teologicamente. São pecados porque ferem e faltam com a caridade. A ‘ideologia de gênero’ é uma falácia, uma cortina de fumaça e uma nefasta nomenclatura que não tem base científica nenhuma”, disse.

Embora os palestrantes tenham apresentado alguns pontos divergentes, ambos os expositores concordaram que o respeito deve ser o grande mote da sociedade. Em suas explanações, eles defenderam a necessidade do respeito à vida individual e coletivo dos cidadãos.

Mulheres no Candomblé

Iyá Martha Sales, professora, especialista em Antropologia e membro do Núcleo de Pesquisa e Estudos Afro-brasileiros e Indígenas na Universidade Federal de Sergipe, iniciou a penúltima mesa de conversa do evento, que gerou análises sobre o assunto “Mulheres no Candomblé”.

Ela contou sobre sua vivência de ser uma mulher de axé e, em suas reflexões, passou pela perspectiva da invisibilidade da mulher e da falta da efetivação de direitos. “O fato de não reconhecer a mulher de axé no candomblé faz com que o sacerdócio não seja reconhecido”.

“Além disso, a garantia de direitos não tem atenção devida e isso afeta ainda o enfrentamento contra a intolerância religiosa. Reconhecer o direito à liberdade religiosa é observar todos os outros direitos até como direito à aposentadoria, por exemplo”, considerou a palestrante.

Em seguida, Iyá Jouse Mara, psicóloga, especialista em Direitos Infanto-Juvenis no Ambiente Escolar e coordenadora o projeto ‘Mesa de Terreiro’, reafirmou os terreiros como um espaço importante de resistência, que cuida das subjetividades estilhaçadas de indivíduos.

“Estar dentro do candomblé é estar para o outro. É cuidar de subjetividades estilhaçadas de indivíduos que passam pelo esvaziamento do ocidente e pelo preenchimento de africanidades. E todo esse movimento dentro do candomblé resulta para continuar da sobrevivência de nós”.

“É um local de resistência, cura e libertação e quanto mais a gente fomentar o saber do candomblé mais nossos direitos estarão assegurados. Dentro da estrutura social que estamos é muito difícil mulheres ocuparem postos, mas no candomblé a estrutura é matriarcal”, disse.

Fé e afeto: perspectivas do público LGBTQIA+

A última mesa do seminário abordou fé e afeto e contou com a explanação de Linda Brasil, mestra em Educação, militante a favor dos direitos da população LGBTQIA+, fundadora da CasAmor, transfeminista e vereadora na Câmara Municipal de Aracaju.

Linda Brasil trouxe ao evento o seu relato enquanto espiritualista cristã, pontuando a maneira como a fé está relacionada a questões de afeto, acolhimento e amor. De acordo com ela, isso contribui para que as pessoas LGBTQIA+, que vivem em vulnerabilidade, se fortaleçam.

“Quando a gente tem uma espiritualidade que não vai de encontro com nossa individualidade somos fortalecidos para poder lutar por nossos direitos e ocupar espaços na sociedade. Muitas vezes pessoas LGBTs sofrem com trechos literais da Bíblia que deslegitimam nossas vivências”.

Linda contou que nasceu dentro de uma família católica, mas atualmente faz parte de uma escola espiritual cristã para pessoas com ou sem religião. “Essa escola me fez perceber em um Deus diferente do que me ensinaram, que era vingativo e iria me condenar por ser quem sou”.

Confira as matérias das outras edições:

II Seminário de Relações de Gênero, Religiões e Direitos Humanos é realizado com sucesso

III Seminário Relações de Gênero, Religiões e Direitos Humanos debate gênero, povos e cristianismos

População LGBTQIA+ e cristianismos são abordados em III Seminário Relações de Gênero, Religiões e Direitos Humanos