Em seu primeiro discurso como presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Claudio Lamachia fez duras críticas ao governo: da criação da CPMF à corrupção apontada na operação “lava jato”. “Voto não tem preço, tem consequências, e a consequência de uma escolha equivocada é o que estamos vendo hoje no nosso país”, disse ao plenário.
As críticas foram duras: “Todos aqueles políticos que não respeitaram nossa confiança devem ser afastados do exercício. Hoje faltam recursos para saúde, segurança, educação, mas sobra para corrupção. O governo afirma que a única alternativa é a CPMF, mas vemos aumento do fundo partidário. Em tempos de ‘lava jato’, brasileiro não aguenta mais”.
Ele aponta que o papel da Ordem é buscar uma solução para além do período eleitoral e da pauta das urnas. “Nação é a antítese da divisão. Chegou a hora de reunificar o Brasil. E a Ordem tem papel essencial nisso. Nosso partido é o Brasil. Nossa ideologia, a constituição”, disse Lamachia.
Diante da crise institucional que vive nosso país, disse o novo presidente da OAB, cabe à entidade convocar a advocacia para a conciliação nacional em benefício de um compromisso em comum.
Na posse administrativa do Conselho Federal da OAB, na manhã desta segunda feira (1º/2), ele pediu que o país passe por reformas institucionais para um governo “do povo, pelo povo e para o povo”. A sessão estava lotada, com conselheiros, suplentes e presidentes de seccionais .
Acompanharam a solenidade os ex-presidentes da OAB Roberto Antonio Busato, Ophir Cavalcante, Cezar Britto e Eduardo Seabra Fagundes. Também estiveram presentes Antônio César Bochenek, presidente da Ajufe; Marcio Kayat, representando a Aasp; José Horácio Halfeld, presidente do Iasp; Técio Lins e Silva, presidente do IAB; e Carlos José Santos da Silva, o Cajé, presidente do Cesa.
Depois da diplomação, Marcus Vinicius Furtado Coêlho foi o primeiro a discursar. “O Brasil é maior do que qualquer governo eventual que não cumpra seus compromissos de campanha”, disse antes de declarar Claudio Lamachia como o “maior e melhor presidente da OAB de todos os tempos”.
Apoio amplo
Candidato único, Claudio Lamachia foi eleito, neste domingo, com 80 dos 81 votos disputados (são três representantes de cada seccional) — apenas um voto foi em branco. A eleição era esperada, uma vez que apenas a chapa “Advocacia, Ética e Cidadania” concorria ao pleito e, já em outubro de 2014, mais de um ano antes das eleições, representantes de 26 seccionais da OAB assinaram uma carta em apoio a Lamachia. A seccional paulista da OAB, única que havia ficado de fora da carta, manifestou seu apoio ao novo presidente nas urnas.
Entre as propostas da nova diretoria estão trabalhar para aprovar o projeto de lei que criminaliza a violação a prerrogativas dos advogados, impedir qualquer adiamento da entrada em vigor do novo Código de Processo Civil e intensificar a campanha nacional contra o caixa dois em eleições.
Em documento enviado a advogados logo antes das eleições, Lamachia afirma que quer também intensificar a mobilização para aprovar a criação de honorários de sucumbência para advogados trabalhistas, desenvolver ações específicas em defesa dos direitos humanos e do meio ambiente e criar um “portal nacional de prerrogativas”.
Leia abaixo a íntegra do discurso de Claudio Lamachia:
Presidir uma instituição como a Ordem dos Advogados do Brasil — alçada pela Lei Fundamental ao patamar de voz da cidadania e, portanto, de veículo de substantivação de um dos fundamentos da República — não é tarefa para um homem só. É obra coletiva.
Aliás, certamente por força da invulgar generosidade de cada um dos senhores que hoje assumo o maior desafio da minha vida, após nove anos consecutivos de muito aprendizado nas lides desta instituição.
Obrigado, a todos vocês, pela confiança depositada, Confiança esta a qual honrarei com todas as minhas forças.
Os desafios são grandes, intangíveis até. Mas Deus é maior e está conosco!
Obrigado, também, aos servidores do Sistema OAB do Brasil inteiro. A todos vocês uma salva de palmas. Sem vocês nossa missão seria impossível.
Evidentemente não menos importante, quero fazer um retumbante agradecimento ao meu sempre presidente Marcus Vinícius, e ao demais colegas de diretoria que ora assumirão novos desafios: queridos companheiros Cláudio Pereira de Souza Neto, Cláudio Stábille Ribeiro e Sérgio Fisher. De vocês fica a certeza que a lealdade é a nota distintiva dos homens de bem.
Obrigado por terem me abrigado no seio de uma gestão tão exitosa para a advocacia brasileira.
Deveras, foram três anos de intensas realizações, fruto de um conceito de gestão compartilhada, de vocação para o intenso debate e diálogo com as 27 seccionais e com o poder público, a qual temos agora o desafio de manter.
Enfim, fui escolhido para representar um projeto, o que farei junto aos colegas de Diretoria, dos membros deste Conselho e das Comissões, assim como dos presidentes e conselhos das 27 Seccionais, sempre sob a inspiração de Deus.
Pois bem. Falamos do que fizemos.
Agora nos resta sonhar com aquilo que está no porvir.
Falarmos daquilo que pretendemos fazer.
Sim. Sonhar para realizar. Sonhar para fazer!
Sonharmos juntos, sonharmos unidos.
Pois é bem certo que a vida real só é atingida pelo que há de sonho nela, como bem dizia Fernando Pessoa.
Sonho e trabalho, trabalho e sonho.
Trabalhar com afinco, e sonhar com nobreza.
Não importa que o sonho pareça impossível, pois como falou meu conterrâneo Mário Quintana:
“Se as coisas são inatingíveis, não é motivo para não as querer. Que tristes os caminhos se não fosse a presença mágica das estrelas”.
Foram essas estrelas que nos trouxeram aqui.
Em mesmo sentido, nos lembrou Mandela: “Tudo parece impossível até que seja feito”.
Assim, decidimos sonhar acordados, para imprimir com intrepidez a energia surda e constante da vontade do mundo que nos envolve, ligando a realidade ao sonho, o desejo à ação, para — repitamos — nos desincumbirmos da solene missão de reunificar o Brasil, de salvaguardar a Nação nesta quadra tão tormentosa de sua vida.
Hoje vivemos um paradoxo: se de um lado nossas instituições republicanas nunca funcionaram tão bem, de outro somos acometidos por uma crise política e econômica, mas que gerada por uma crise ética e moral sem precedentes, agravada sobremaneira pela absoluta paralisia da classe política, que perdeu totalmente a capacidade de diálogo.
A deterioração do ambiente político chega a ser assustadora.
Mudos para conversarem entre si, surdos para ouvirem o clamor da população que já sofre pela carestia, cegos para a desintegração dos fundamentos macroeconômicos do país.
Assim estão os nossos agentes políticos. Não produzem mais soluções, apenas crises. Estão, pois, disfuncionais. Ficam discutindo interesses menores.
A Nação é sem dúvida alguma maior que os resultados das próximas eleições. E isto temos que bradar por todo o Brasil.
Precisamos transcender o calendário das urnas, para que as saídas eventualmente propostas não sejam condicionadas pelo casuísmo eleitoral, e sim pela consideração do bem-estar das próximas gerações.
Enfim, precisamos de um novo contrato social da classe política com a sociedade brasileira, pois é evidente que não democracia sem política e não há política sem políticos. Precisamos da depuração da política nacional.
Flertamos dia a dia com a irresponsabilidade. Inconsequentemente estamos tangenciando o precipício.
Algo deve ser feito, e rápido, pois a falta de diálogo é a negação da política, e quando a política falha a convulsão social é a certeza.
Não podemos perder tudo o que, a duras penas, construímos até hoje.
Colegas, a vida nos ensina que há uma hora de partida mesmo quando não há lugar certo para onde ir.
É o marchar da história, é o caminhar da humanidade.
Devemos dar esse primeiro passo! A hora do Brasil começar a superar essa paralisia é agora!
Temos que parar de pensar apenas nas partes para refletirmos sobre o todo, pois casa dividida não para em pé, para se citar o milenar aforisma bíblico, inscrito no evangelho segundo São Mateus, tão bem usado por Lincoln, que não titubeou em afirmar:
“Uma casa dividida contra si mesma não pode permanecer. Eu não espero a divisão da União — eu não espero ver a casa cair — mas espero que ela deixe de ser dividida.”
Vejam, senhores e senhoras, que as sábias palavras deste que foi um dos maiores estadistas da história ecoam pelo tempo de forma que não se apaga.
Com efeito, a nação é a antítese da divisão, e com essa não pode conviver.
Nação é mais do que território, do que um ajuntado das gentes.
Nação é a comunhão espiritual de homens e mulheres que se sentem parte de um todo. É a convicção de um viver coletivo.
Ligados pelos laços do pertencimento, têm suas vidas ancoradas no esteio da pátria.
Nação é pátria, e no sentir do insuperável Ruy Barbosa:
“Pátria não é um sistema, não é uma forma de governo. Pátria é o céu, é a terra, é o berço dos filhos e o túmulo dos antepassados. Pátria é a comunhão da lei, da língua e da liberdade”.
Precisamos resgatar esses ideais e valores urgentemente em nosso país, sob pena de nos tornarmos uma fratura exposta social.
Somos todos irmãos, os brasileiros e os estrangeiros que aqui vivem, por força de nossa Constituição, que plasmou de forma perfeita o sentimento de nosso povo ao longo da sua história.
Assim, imbuído dessa visão transcendental acerca do que seja a nacionalidade, elaborada por um dos maiores advogados e intelectuais brasileiros de todos os tempos, é que entendo que chegou a hora de reunificar o Brasil, e a OAB e a advocacia desde já se colocam à serviço da Nação brasileira para tal feito.
Nosso partido é o Brasil, e nossa ideologia é a Constituição Federal.
Nossa opção é pelo povo, expressão maior da cidadania que juramos defender.
Assim sempre foi, assim sempre será.
Afinal, somos advogados. Lutamos por justiça!
Isso tudo, ao lado da nossa história de 85 incansáveis anos de luta, indubitavelmente credencia esta Instituição para ser a fiadora de uma tentativa de formação de um grande consenso nacional, em prol de um programa social mínimo que unifique a sociedade brasileira.
Nesses últimos 85 anos a OAB e a advocacia brasileira sempre estiveram do mesmo lado: ao lado da liberdade e da legalidade, as tábuas de vocação do advogado segundo Ruy Barbosa.
Lutamos contra duas ditaduras. Fomos inflexíveis contra o arbítrio.
Vencemos o obscurantismo com a força moral daqueles que defendem a verdadeira justiça.
Sofremos até mesmo um ataque terrorista por isso. Nunca retrocedemos um milímetro sequer.
Ao contrário, com desassombro, avançamos. E afirmo a cada um dos senhores que, com os queridos diretores ora empossados, estaremos fazendo momento a momento nesta gestão.
Com os artistas, os trabalhadores e a intelectualidade deste país, saímos às ruas pedindo por democracia, na campanha das Diretas Já em 1984.
A democracia veio. Mesmo as imperfeições de uma jovem Nova República.
Diante do mar de lama de um governo, novamente lideramos a sociedade brasileira. Na oportunidade, pelo impedimento de um mandatário deslegitimado para o exercício da suprema magistratura da Nação em face de atos de corrupção explícita.
Com o impeachment de Collor, iniciou-se um lento e gradual processo de evolução de nossas instituições democráticas, que hoje vemos tão atuantes, para nossa felicidade.
Por outro lado, três ex-presidentes desta Casa foram peças-chave em três Assembleias Nacionais Constituintes, a saber: Levi Carneiro em 1934, Fernando Melo Viana em 1946, e Bernardo Cabral em 1988.
Primando sempre pelo valor supremo de que todo poder emana do povo e por ele deve ser exercido, a OAB pautou sua atuação na defesa intransigente da ordem jurídica e da normalidade institucional, apenas possível com o respeito integral à Carta Política.
Agindo assim, a OAB se tornou a verdadeira defensora das causas da República e, ao que parece, a história a chama mais uma vez para defendê-la.
Assim, cientes de que o advogado é a força motriz do Estado Democrático de Direito, onde a legitimação para o exercício do poder tem seu esteio no voto e na lei diante da grave crise institucional que vive nosso país, desde já convocamos a advocacia brasileira a cerrar fileiras com a OAB Nacional para retomarmos a tradição brasileira de conciliação nacional, em benefício de nosso futuro comum. O nosso compromisso é reunificar o Brasil.
Está na hora de reduzirmos o espaço do confronto e construirmos o ambiente para o encontro.
Está na hora de colocarmos todos os atores da sociedade brasileira na mesma mesa para conversar.
Está na hora do diálogo, pois o que está em jogo é o futuro do país.
Não podemos achar que todos os problemas de nossa sociedade são do governo que aí está.
Não podemos tolerar a letargia política mas também social instalada em nosso País.
É evidente que ele tem sua grande parcela de culpa. Afinal, voto não tem preço mas tem consequências. Não podemos ficar procurando culpados enquanto o barco afunda.
Primeiro façamos a travessia!
Que o Ministério Público e o Judiciário façam a sua parte, apurando as responsabilidades civis e criminais, sempre de acordo com a lei e em respeito as garantias constitucionais e que o cidadão brasileiro faça seu dever de casa e expurgue da vida política todos aqueles políticos que não honraram a sua confiança.
Mas, enquanto isso ocorre, o Brasil tem que avançar.
Avançar é o que nossa gente espera, seguir em frente é o que a Nação precisa.
Como escreveu Shakespeare em Júlio César: “Em certos momentos, os homens são donos dos seus próprios destinos. ”
Cremos piamente que este é um desses momentos.
O Brasil deve se reencontrar. O Brasil irá se reencontrar.
Nesse sentido, a primeira das pautas deve ser o combate à corrupção, verdadeira chaga deste país.
Hoje, faltam recursos para saúde, educação e segurança, mas sobram recursos para a corrupção.
Ou enfrentamos a corrupção endêmica que assola o Brasil com seriedade e afinco, ou corremos o risco de ver a “res publica” se transformar de vez em “cosa nostra”.
Em tempos de ajuste fiscal, onde o governo afirma como única saída a recriação da CPMF, contraditoriamente se vê o aumento absurdo do fundo partidário, e o que é pior, justamente em tempos de “lava jato”. A sociedade não suporta mais a atual carga tributária e nós vamos fazer tudo que estiver ao nosso alcance para mobilizar a sociedade civil organizada contra qualquer proposta que pretenda colocar novamente a mão no bolso do cidadão. Não aceitamos soluções simplistas para resolver problemas que não foram criados por nós.
Cruzaremos este país de norte a sul, de leste a oeste, em verdadeira cruzada cívica, em campanha civilista, repleta de sentido histórico, com vistas à recuperação da unidade nacional, por meio de um projeto de reuniões e debates que ora apresentamos à apreciação de Vossas Excelências, por meio de nosso plano de gestão.
Seguramente, temos as vidas e o exemplo de grandes colegas a nos inspirar na consecução de tão difícil encargo: Ruy Barbosa, Miguel Seabra Fagundes, Heráclito Sobral Pinto, Evandro Lins e Silva, Alexandre José Barbosa Lima Sobrinho, Raymundo Faoro, Herman de Assis Baeta, Márcio Thomaz Bastos e tantos outros colegas que, — com sua coragem —, mostraram ao mundo a real natureza de ser advogado.
Nesse passo, já escreveu da prisão em 1969 o líder Nelson Mandela, que dedicou sua vida à construção da nação sul-africana: “Nada pode ser tão valioso como fazer parte integrante da história de um país”.
E é para ser parte integrante da história do Brasil que convocamos o exército de quase um milhão de advogados e advogadas para nos ajudar a levar esse generoso projeto adiante.
Sabemos que esse não é último degrau, mas certamente é o primeiro passo.
Crise é sinônimo de oportunidade. Assim nos mostra a história da civilização.
Da sangrenta Guerra Civil norte-americana se extraiu a síntese daquilo que mais tarde se tornaria a nação mais poderosa do planeta.
De nossa crise atual podemos pagar a dívida que nossa Nação tem com a história, finalmente promovendo as reformas institucionais aguardadas desde o século passado.
Todos teremos que inicialmente perder um pouco para mais adiante todos ganharmos muito.
É hora de grandeza. É hora de mudarmos os destinos do Brasil!
Por fim, parafraseando Lincoln, rogo a Deus que nosso país siga esses passos, transformando-se em uma nova Nação, consagrada realmente ao princípio de que todos os homens são substantivamente iguais perante a lei, e que a Nação brasileira tenha um governo do povo, pelo povo e para o povo.
Muito obrigado.
Texto: Marcos de Vasconcellos – Conjur