Na tarde desta sexta-feira, 08, as explanações que encerraram o I Ciclo de Palestras sobre Direito Animal, realizado pela Ordem dos Advogados do Brasil, em Sergipe, colocaram em análise em que medida a proteção à fauna pode ser um limite à liberdade religiosa no Brasil.
Na ocasião, a presidente da Comissão de Defesa dos Direitos dos Animais da OAB/SE, Renata Mezzarano, relembrou que o intuito não é impor um só pensamento, mas sim questionar, analisar e refletir acerca das diversas percepções sobre o uso dos animais em cultos religiosos.
“A nossa Comissão entende que não é correto o uso do animal, mas a Comissão de Liberdade Religiosa defende a utilização. A gente não está aqui para fechar a questão. Estamos aqui para levantar conhecimento e cada pessoa concluir o que achar melhor”, afirmou a presidente.
Para essa reflexão, o evento contou com as palestras do advogado e um dos professores pioneiros na ampliação dos direitos fundamentais para além da espécie humana, Tagore Trajano, e do ex-presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB/SE, Ilzver Oliveira.
Em sua fala, além de relembrar os prejuízos históricos aos adeptos das religiões de matriz africana, Ilzver Oliveira fez uma reflexão sobre os principais obstáculos à efetivação do direito à vida animal.
“Não se deve escolher a proteção animal em detrimento da liberdade religiosa ou vice e versa. É preciso que haja harmonização, mas desse pensamento vem a pergunta: quais os maiores prejudicadores dos animais? As religiões de matriz africana ou os frigoríficos, por exemplo?”, indagou.
Sob a argumentação de que as liberdades de crença e culto são asseguradas na Constituição, o palestrante defendeu que o debate sobre a liberdade afrorreligiosa não permite a interferência do direito animal como um novo instrumento opressor da liberdade à religião.
“As religiões afro necessitam da natureza. Os orixás são manifestações dela. Sem rios, mares, folhas, raio, chuva, terra, ar, fogo, animais a natureza não existe. Partindo disso, não há lógica de colocá-las no foco do direito animal. É preciso buscar quem realmente degrada a natureza”.
Em contrapartida, também relembrando as consequências da intolerância religiosa e da propagação de discursos de ódio, Tagore afirmou que a intransigência é um dos mais difíceis obstáculos à solução do conflito entre a liberdade religiosa e a proteção aos animais.
No entanto, o palestrante defendeu que tudo aquilo que é criado pelo ser humano, como as manifestações culturais e a religião, pode ser adaptado por um propósito maior: a vida. “Tudo pode ser mudado para pregar o que realmente toda religião prega: o amor e a união entre os grupos”.
“Devemos promover um discurso de paz, união, respeito e aceitação, além de entender que não existe, dentro desse tema, o certo ou o errado. Na verdade, existe a luta para tentar evoluir como a nossa sociedade está evoluindo em um pensamento de respeito ao outro”.
Finalizando sua explanação, Tagore propôs a superação do antropocentrismo, que coloca o homem como centro de tudo; o olhar de integração entre cultura e meio ambiente; a superação do mito do candomblé degradador; e a tutela constitucional do pluralismo religioso.
Além de militantes, estudantes, integrantes de religiões de matrizes afrorreligiosas, advogados e representantes da OAB/SE, participaram também do evento o diretor-tesoureiro da Ordem, Sandro Mezzarano, que guiou os debates da tarde, e a presidente da Comissão de Liberdade Religiosa da OAB, Kellen Muniz, que compôs a mesa e participou das discussões sobre o tema.
O I Ciclo de Palestras sobre Direito Animal aconteceu nos dias 7 e 8 de junho e reuniu os mais diversos juristas, militantes e especialistas brasileiros para abordar os principais temas relacionados ao universo jurídico dos direitos fundamentais para além da espécie humana.