O I Congresso Digital da Ordem dos Advogados do Brasil, em Sergipe, foi iniciado nesta quarta-feira, 5, e acontece até hoje, 6. No primeiro dia do evento, foram realizados dois painéis, que colocaram em debate a liberdade de expressão, a democracia e as prerrogativas da classe.
A abertura oficial do evento ocorreu às 18 horas e contou com a participação do presidente do Conselho Federal da OAB, Felipe Santa Cruz; do presidente da OAB/SE, Inácio Krauss; e do diretor-geral da Escola Superior de Advocacia (ESA) de Sergipe, Kleidson Nascimento.
O presidente da OAB/SE considerou a importância do congresso, que faz parte das celebrações do mês da advocacia. “Ontem tivemos um webnário importante e hoje iniciamos esse evento para um mês de comemorações que leva a voz da OAB para a advocacia e a sociedade”.
Na ocasião, Santa Cruz parabenizou a atuação sempre intransigente da Seccional. “A OAB/SE é sempre tão combativa, da qual sinto muito orgulho pelo trabalho que está realizando. Essa Seccional sempre foi um lugar de comprometimento com as lutas do povo brasileiro”, afirmou.
O diretor-geral da ESA explanou ser um motivo de grande orgulho participar de um evento tão importante, principalmente por realizado em um momento delicado. “A OAB vem mostrando sua vanguarda e permanece trazendo à advocacia a discussão de temas imprescindíveis”.
Liberdade de expressão e democracia
A vice-presidente da OAB/SE, Ana Lúcia Aguiar, foi a mediadora do primeiro painel do evento, que colocou em discussão a relação entre a liberdade de expressão e a democracia. Cezar Britto, Fernanda Marinela e Lier Pires Ferreira foram os expositores do painel.
As explanações foram iniciadas com a palestra do ex-presidente da OAB Nacional e da OAB/SE, Cezar Britto. Ele esclareceu o conceito de liberdade de expressão, fazendo um panorama sobre a construção da Constituição Federal de 1988, que buscou superar o pensamento ditatorial.
“A liberdade de expressão está relacionada à liberdade de locomoção, de não ser aprisionado. São temas importantes, dos quais tão bem cuidou a Constituição de 88. Essa nossa carta quis superar uma ilógica do período da ditadura, na qual poderia haver censura”, explicou.
“Na ditadura, quando a liberdade de expressão era exercida havia fechamento de jornais, por exemplo. A Constituição regulamentou princípios para evitar isso. Com eles, a liberdade de expressão só pode ser castrada de acordo com os limites inseridos na carta magna”, disse.
Cezar explicou que a vedação do anonimato, o direito de resposta, o direito a danos morais e o direito à fonte são alguns desses limites. “A liberdade de expressão é fundamental para a democracia e é mais uma expressão de luta que de conservação”, defendeu o ministrante.
Fernanda Marinela, conselheira federal da OAB, também fez uma explanação acerca dos avanços e propósitos da Constituição. “Essa carta trouxe garantias e direitos que eram sonhados por muitos anos. Notadamente, o objetivo era uma sociedade justa e igualitária”.
“A Constituição trouxe a ideia do exercício pleno da cidadania. Falar da liberdade de expressão é falar de um elemento dessa carta, essencial para a república e para a defesa da democracia. Sem ela, seria impossível pensar na boa governabilidade e na transparência”, relacionou.
“A Constituição fala de representação política, da participação popular como elemento vital, da igualdade e da responsabilidade de cada cidadão pela sua conduta, ação e manifestação. Esses elementos são indispensáveis para que a liberdade de expressão seja realizada”, disse.
O advogado, Lier Pires Ferreira, encerrou o painel ministrando uma palestra sob a perspectiva dos três tipos fundamentais de democracia: direta, representativa e formal. Ele explicou o conceito deles e propôs uma reflexão sobre a necessidade de uma democracia substancial.
“No que pese a importância da democracia formal, é preciso pensar no aprofundamento dos contextos democráticos e ponderar sobre a democracia substancial, que exigiria que governos tenham como propósito imprescindível a concretização dos direitos fundamentais”, abalizou.
“A gente pode perceber que o Brasil é essencialmente um país ao qual nós coexistimos com diferentes mecanismos de desigualdade e opressão, como o machismo tóxico e o racismo estrutural. E a gente vê como nós estamos longe de atingir essa democracia substantiva”.
Lier afirmou ainda que a defesa da democracia se trata da defesa das liberdades públicas. “É uma defesa política, que antecede a própria defesa jurídica das liberdades públicas. A democracia só faz sentido quando ela é exercida pelos cidadãos”, afirmou o advogado.
Estado de Direito e prerrogativas da advocacia
O secretário-geral da OAB/SE, Aurélio Belém, foi o mediador do segundo painel do Congresso. Sob o tema “Estado de Direito e prerrogativas da advocacia”, o encontro contou com as falas de Marcos Vinicius Furtado Coêlho, Cristiane Damasceno e Antônio Carlos Castro (Kakay).
Marcus Vinicius, ex-presidente da OAB Nacional, deu início ao ciclo de palestras abordando a relação entre o Estado de Direito e as prerrogativas da advocacia. “Não há justiça sem advocacia e não há advogado, com liberdade e altivez, sem o Estado de Direito”.
“O que mais caracteriza a sociedade na atualidade é o devido processo legal, o respeito às leis, o respeito às garantias do cidadão. Quando a lei deixa de ser a do mais forte e passa a ser a norma editada pela sociedade. E o protagonista nessa efetivação é o advogado”, refletiu.
“Se de um lado temos o Estado acusador, policial, fiscalizador; de outro lado temos o cidadão, a pessoa física e jurídica e a seu lado o advogado. Se o cidadão é o centro gravitacional da sociedade, como o profissional do cidadão não poderia ter suas prerrogativas respeitadas?”.
Marcus Vinicius sustentou que um processo legal no qual as prerrogativas da advocacia não são respeitadas é uma espécie de ditadura. “Quando o Estado não respeita as prerrogativas, a dignidade da pessoa humana, é um regime autoritário sendo instalado de certa forma”.
Em seguida, a advogada, Cristiane Damasceno, falou das prerrogativas da classe sob duas perspectivas: a falta de conhecimento da advocacia acerca de suas garantias profissionais e o recorte de gênero dentro da lei – os direitos da mulher advogada.
“Um bom jogador precisa ser um semiprofissional e isso, no âmbito da advocacia, nada mais é que conhecer as prerrogativas. Não existe possibilidade de o advogado entrar nessa atividade sem conhecer o que lhe é de primeiro direito. Existem regras que precisam ser obedecidas”.
“Além disso, é preciso que nós mulheres advogadas saibamos os direitos que temos como mulheres na profissão. Nós não precisamos passar por detector de metais, nós podemos adiar audiências em caso de parto, entre outros. Nós somos reconhecidas por nosso Estatuto”.
Finalizando as explanações da noite, o advogado criminalista, Antônio Carlos de Almeida Castro (Kakay), falou sobre a atuação da advocacia criminal, ressaltando os desafios e perspectivas da área em relação às prerrogativas da classe e o Estado de Direito.
“O principal desafio é a criminalização da advocacia. Nós, advogados criminais, vivemos uma realidade muito dura. Estamos em estrutura autoritária, em relação à Lava Jato, na qual a primeira ação foi tentar fazer com que o advogado não pudesse interferir nos processos”.
“Em minha atuação como criminalista, eu não atuo em favor de um cliente. Atuo em favor das cláusulas pétreas, dos princípios constitucionais. É preciso lembrar ainda que quando alguém é preso, ele perde o direito à liberdade, mas não perde todos os outros direitos inerentes a ele”.
Kakay sustentou que a criminalização da advocacia é uma das pedras angulares para fortalecer o grupo autoritário. “O advogado se tem vez e voz, ele enfrenta o autoritarismo. Por isso esse grupo tenta minar nossas forças e gerou tantos excessos nos processos judiciais”, afirmou.