Com o intuito de discutir as perspectivas para a reintegração social de mulheres presidiárias e conscientizar a sociedade sobre as suas realidades, a Ordem dos Advogados do Brasil, em Sergipe, através da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, organizou nesta terça-feira, 14, a roda de conversa “Mulheres Encarceradas”. O evento aconteceu no auditório da Caixa de Assistência dos Advogados (CAASE) e, além do debate, promoveu a doação de pacotes de absorvente ao presídio feminino por meio das suas inscrições.
Ao contrapor o pensamento generalizado sobre exemplos masculinos na discussão do sistema prisional, a coordenadora do Grupo de Trabalho Mulheres Encarceradas da OAB, Carla Danielly, afirmou que a população carcerária feminina existe há bastante tempo e vem crescendo.
“O objeto do nosso GT é trazer informações, propor projetos de reintegração social e realizar visitas ao Prefem para debater essa realidade e saber de que forma podemos ajudar a essas mulheres enquanto custodiadas e, principalmente, na vida delas extramuros”, afirma.
Não obstante, a vice-presidente da União Brasileira de Mulheres em Sergipe e membro do GT, Érika Leite, ressaltou que dentro da discussão sobre a realidade das mulheres encarceradas, não se pode deixar de fazer um recorte étnico e de classe. “Em Sergipe, assim como no Brasil, há uma predominância de mulheres negras e pobres”.
Em seguida, a professora Grasielle Vieira, doutora em Direito e pesquisadora, destacou o trabalho desenvolvido junto ao Prefem, que possibilitou a análise dos processos das custodiadas para verificar se seus direitos mínimos eram respeitados.
Em sua fala, ela frisou que no Brasil não há prisão perpétua e essas mulheres que estão sob custódia do Estado hoje, um dia voltarão ao convívio social.
“Essa é uma problemática que deve envolver toda sociedade. É urgente discutir e pensar em políticas públicas de reinserção. Tanto para preparar essas mulheres quanto para evitar novos encarceramentos”, pontuou Grasielle.
De acordo com a professora, alguns estados brasileiros, a exemplo do Rio de Janeiro e Minas Gerais, já desenvolvem projetos na área da cultura e educação com intuito de oferecer subsídios para que elas possam seguir a vida quando saírem do cárcere.
De dentro para fora dos muros
A escassez de subsídios e perspectiva para passos futuros além do presídio levou Iza Jackeline Barros da Silva – rapper, estudante de direito e egressa no sistema prisional – a encarar sua estadia lá dentro com uma concepção de tristeza. Descobrir que, na prática, os direitos teorizados eram esquecidos fez com que ela precisasse se expressar, mas, quando tentava, conta que era castigada.
“Passei três anos no Prefem. Um período que eu considero o meu renascimento. E que eu hoje eu agradeço por ter vivido. Não porque foi fácil, mas porque nesse renascimento eu percebi que podia fazer algo. Que minha vida era necessária”, relata.
Na época em que estava em cárcere, não havia professores disponíveis para dar aulas no Prefem, segundo ela, por falta de interesse dos profissionais de lecionar naquele ambiente. Dessa forma, Iza teve a iniciativa de dar aulas de alfabetização às internas, mostrando que ela tinha a possibilidade de ajudar e mobilizar-se.
Das aulas, Iza passou a trabalhar na biblioteca e começou a estudar o código penal. “Percebi que poderia ajudar as internas, explicando o que elas não entendiam dos processos e eu já sabia por ter lido”.
Hoje, ela estuda o oitavo período do curso de Direito e elabora seu Trabalho de Conclusão de Curso sobre o cotidiano das mulheres encarceradas, pensando em pagar a dívida que acredita ter com o Prefem e ajudar as mulheres que ainda estão lá. Contudo, a saída do sistema prisional chega com inseguranças, por conta do preconceito encontrado do lado de fora. “Quem vai arrumar um emprego pra um ex-presidiário? Às vezes, batia até a vontade de pedir para voltar”.
Para contribuir com a preparação e reinserção das mulheres que entram e saem do presídio, hoje o Prefem oferece uma gama de cursos e projetos de capacitação profissional. Segundo Andrea Fernanda de Andrade, diretora do Prefem em Sergipe, um dos projetos em exercício é o Florescer – fruto de uma parceria com o Ministério Público, através do Fundo Penitenciário. Capacitando cerca de 60 internas divididas em turmas durante o ano, o projeto conta com cursos de patchwork e artesanato.
Além disso, também acontece o projeto Odara, idealizado pela gestão atual, em que foi montado um ateliê no presídio, com partes de costura e design, possibilitando várias oficinas. Dentro delas, a confecção do fardamento das internas, trabalho que busca atender à identidade da mulher, uma vez que o corte anterior era masculinizado e as camisas eram entregues com a identificação de “interno” estampada nas costas.
Dentro do Prefem, também existe a preocupação com a saúde das mulheres, que passam por uma triagem no posto de saúde ao serem admitidas na unidade, depois passam pelo serviço social, até chegar ao cartório para certificar a sua entrada.
Andrea ainda explicou que a busca pelo regramento do que lei demanda – um direito para todas essas mulheres, no sentido de contribuir para o retorno delas na sociedade – é a função da Lei das Execuções Penais. Para ela, seu trabalho não é o de reforçar uma punição ainda maior do que a prevista legalmente, mas contribuir para a garantia da reinserção social das internas no futuro.
“A gente não pode dizer que tudo que é feito lá é uma garantia de que essas mulheres não irão reincidir ao mundo do crime, mas pelo menos cada um está fazendo a sua parte para que esse processo de criminalização e de reincidência criminal feminina não aumente na sociedade”, afirma.