Nessa terça-feira, 4, à noite, foi realizado o encerramento do Webnário Tereza de Benguela – Mulheres negras gestoras públicas de todos os cantos. O evento realizado pela Ordem dos Advogados do Brasil, em Sergipe (OAB/SE), por meio da Comissão de Igualdade Racial, da Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra em Sergipe, da Comissão de Liberdade Religiosa e da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher debateu durante dois dias inúmeros temas relacionados à promoção da igualdade racial com palestrantes e participantes de todo o país.
O presidente da OAB/SE, Inácio Krauss, agradeceu a todos os organizadores e palestrantes pela excelência do trabalho realizado e ressaltou a importância do Webnário Tereza de Benguela, que é uma mulher símbolo de luta e resistência. “Esse evento mostra a pluralidade da nossa gestão, que é uma gestão coletiva. O Webnário trouxe muito aprendizado para quem assistiu e trouxe uma visão totalmente diferente, de respeito e sobre a necessidade de diminuir essas diferenças que ainda persistem em existir em nosso país”, ressaltou.
Participaram como palestrantes Patrícia Matos, assessora pedagógica da Coordenadoria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial de Fortaleza (CE); Gicelma Omilê, coordenadora Estadual de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do Rio Grande do Norte; Laila Oliveira, gerente de Igualdade Racial da Secretaria Municipal de Assistência Social da Prefeitura de Aracaju; e Lourdes Santana, presidente do Conselho Municipal de Comunidades Negras e Indígenas de Feira de Santana (BA).
Palestras
A primeira palestra foi da presidente do Conselho Municipal de Comunidades Negras e Indígenas de Feira de Santana (BA), Lourdes Santana. Em sua explanação ela falou sobre o Núcleo Cultural Educacional Quilombola Ogungê, uma instituição sem fins lucrativos, criado documentalmente em 1987, e que realiza 90% do trabalho para a população negra.
Segundo a palestrante, a entidade realiza alguns projetos, inclusive trabalhou junto à Câmara Municipal de Feira de Santana Projetos de Lei Municipais. “Nós temos o Dia da Capoeira, Dia da Poesia, Dia da Literatura, Beleza Negra, entre tantas outras iniciativas”, comentou.
Ela informou que apesar de em Feira de Santana existir uma população de 87% de negros e afrodescendentes a criação do Conselho foi muito difícil. “Passamos três anos indo de secretaria em secretaria para ver quem abraçava o projeto. Consegui o apoio de dois radialistas, e em 2009 o Conselho foi criado”, relatou.
Ações
Lourdes Santana assumiu a presidência do Conselho em 2013 e tem desenvolvido um trabalho para ajustar a política racial e social em Feira de Santana. “O nosso mandato venceu agora, vão ocorrer eleições no próximo mês, e de lá para cá nós criamos o Núcleo de Estudo Racial dentro do Conselho, aulas com diversos palestrantes e com certificação”, disse.
Ela também ressaltou a criação do observatório Racial, criado em 2012, para desenvolver atividades não apenas na Micareta de Feira de Santana, mas durante todo o ano; do Departamento Racial, com três divisões: Igualdade Racial, Mulher e Gênero, e Juventude; e do Polo Regional de Política Portal do Sertão, que engloba Feira de Santana e mais sete cidades.
Conforme Lourdes, no ano passado ocorreram na cidade vários fatos ligados ao racismo e a intolerância religiosa. “Uma média de 1.200 procuraram o Conselho para registrar as denúncias”, afirmou.
Resistência
A coordenadora Estadual de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do Rio Grande do Norte, Gicelma Omilê, assumiu a gestão no início de 2019. Segundo ela, a coordenação está vinculada a Subsecretaria de Direitos Humanos. Atualmente, a Coordenação conta com a Subcoordenação de Povos e Comunidades Tradicionais, a Subcoordenação de Ações Afirmativas e uma assistente social que compõe a equipe.
“Pra nós foi muito importante à ampliação da Coordenação, considerando que mais 50% da população do Estado do Rio Grande do Norte é negra. Ainda que a população negra ainda não esteja neste país na condição adequada tudo o que foi possível até o presente momento foi fruto de muita luta, de muito sangue, de muita dor e muito luto da população negra que ainda se mantém encorajada no seu processo de resistência para a preservação de suas práticas e dos seus saberes”, afirmou.
Gicelma revelou ainda que a luta da população negra traz benefícios não apenas para a si, mas também para os povos indígenas, ciganos, povos de terreiros e quilombolas, que também estão contemplados pela Política de Promoção da Igualdade Racial.
Política de Promoção da Igualdade Racial
A Coordenadoria Estadual de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, após a adesão ao Sistema Nacional da Promoção da Igualdade Racial (Sinapir) achou necessária a elaboração do Plano Estadual de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.
“Afinal para poder articular e coordenar a política é preciso saber quem são? Quantos são? E aonde estão? Foi instituído então o grupo de trabalho para elaboração do plano com a participação de sete secretarias de Estado e representantes de seis segmentos da igualdade racial e o Conselho Estadual de Políticas e Promoção da Igualdade Racial”, explicou.
A assessora pedagógica da Coordenadoria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial de Fortaleza (CE), Patrícia Matos, disse que nos anos iniciais da Coordenadoria foi construído o Plano de Igualdade Racial com a participação de vários setores da sociedade, movimento negro e religiões de matrizes africanas.
Debate sobre o racismo
Segundo ela, em Fortaleza 63% da população é de negros e pardos. “Há uns 10 anos percebemos vários movimentos nascendo na cidade, são movimentos que tencionam o racismo, combatendo esse racismo que é cotidiano na nossa cidade. Esses movimentos acontecem em vários setores de jovens, de mulheres e dialogam com a Coordenadoria, tanto a municipal como a Estadual”, disse.
Patrícia Matos revelou também que realiza o trabalho de assessora pedagógica. “Eu faço a gestão pedagógica, dialogando com os terreiros, as secretarias de Cultura e de Educação Municipal de Fortaleza, levando o debate e a compreensão de que a pauta é importante, que o racismo existe e que nós precisamos combater esse racismo que é estrutural e estruturante”, salientou.
A gerente de Igualdade Racial da Secretaria Municipal de Assistência Social da Prefeitura de Aracaju, Laila Oliveira, disse que boa parte da luta do movimento negro brasileiro foi justamente para garantir políticas públicas para a população. “Com o Webnário, a OAB traz para a ordem do dia a necessidade da população pensar na importância das gestões, de acompanhar e entender como é que funciona, qual é a dinâmica e até onde a gente pode ir”, afirmou.
Racismo institucional
Laila revelou que aceitou o compromisso de gerir a pasta em 2017. “Quando eu iniciei me vi diante de desafios e por não ter experiência anterior com gestão de igualdade racial, só com a luta, o movimento e com os estudos, entendi que era importante ouvir quem veio antes”, disse.
De acordo com Laila, o racismo institucional foi e ainda é uma das maiores frentes da gestão. “A gente entende que toda a nossa atuação tem que ser intersetorial e por isso sentimos a necessidade de “provocar” alguns setores dentro da própria Prefeitura. Tem um Comitê Intersetorial que trabalha muito bem”, ressaltou.
Segundo ela, em 2017, uma das ações mais importantes que foram implementadas foi a Conferência Municipal de Igualdade Racial porque a construção foi totalmente intersetorial e, além disso, foram feitos pré-conferências, ouvindo os territórios. “Acho que a experiência de sair do espaço das quatro paredes e ir para as comunidades foi fundamental para a construção do resultado da conferência e foi um termômetro importante pra gente entender como se davam as questões raciais dentro de algumas comunidades. No Bairro Santa Maria, por exemplo, perceber através dos relatos as dificuldades da juventude em conseguir emprego”, pontuou.
Representatividade no Conselho
A conselheira federal da OAB e presidente do Conselho Estadual da Criança e do Adolescente, Glícia Salmeron, informou que foi aprovado no Conselho Estadual da Criança e do Adolescente um edital para ocupação dos espaços de suplência. “É importante que esses espaços sejam ocupados por representantes de povos e comunidades tradicionais”, comentou.
Segundo Glícia Salmeron, ao ouvir a fala das palestrantes ela se identificou muito com algumas pautas transversais, no que diz respeito à pauta da infância. “Não nasci negra, não nasci em situação de vulnerabilidade social do ponto de vista econômico, mas aprendi desde pequena que direitos são direitos e devem ser respeitados, de todos os seres humanos, e, portanto, eu acho que aprendo a cada dia com vocês por uma razão porque são pautas que embora devessem caminhar junto com a pauta de crianças e adolescentes de povos e comunidades tradicionais não caminham”, enfatiza.
A Conselheira alertou que não é fácil a busca de representações nesses espaços de crianças e adolescentes com a população infantojuvenil principalmente oriundas de povos e comunidades tradicionais.
“A gente sente muita falta no Conanda, no Conselho Estadual também porque a cultura que impera é a do assistencialismo e ainda se tem em mente que nesses espaços de conselhos muitas vezes devem estar entidades de atendimento e não é isso. Esses são espaços que se discutem o direito de crianças e adolescentes. A responsabilidade de vocês é ainda maior e espero que vocês saiam daqui com o desafio de ocuparem também esses espaços”, afirma.