Na manhã desta quarta-feira, 3, a Ordem dos Advogados do Brasil, em Sergipe (OAB/SE), por meio da presidenta em exercício, Ana Lúcia Dantas Souza Aguiar, e do coordenador do Núcleo de Políticas Sociais da Comissão de Direitos Humanos (CDH-OAB/SE), George Costa, participou da audiência pública relativa ao processo de criação da Unidade de Conservação do tipo Reserva Extrativista “Mangabeiras Irmã Dulce dos Pobres”. A audiência, convocada pelo secretário municipal de Infraestrutura (SEMINFRA) e presidente da Empresa Municipal de Obras e Urbanização, Antônio Sérgio Ferrari Vargas, ocorreu no Auditório do Centro de Artes e Esportes Unificado (CEUs), localizado no Bairro 17 de Março.
A criação da Unidade de Conservação, que conta com área de 92.125,81m² foi autorizada pelo Decreto Municipal 6.175, de 2 de julho de 2020. De acordo com a Prefeitura de Aracaju, no período de 31 de julho a 14 de agosto de 2020, foi convocada uma Consulta Pública. E em 18 de outubro, uma nova consulta que segue até esta quinta-feira, 4 de novembro de 2021, foi reaberta para a recepção de comentários e contribuições.
A presidenta em exercício da OAB/SE, Ana Lúcia Aguiar, afirmou que a Ordem vem acompanhando todo o processo relativo à área da Reserva das Mangabeiras, em um trabalho conjunto com o Ministério Público Federal, em Sergipe (MPF/SE). Segundo ela, é uma necessidade que além do acolhimento da moradia para as pessoas que também seja garantida a preservação da área das mangabeiras, fonte de sobrevivência e local de onde as famílias tiram o seu sustento. “Essa área precisa ser preservada, com toda a estrutura disponibilizada por parte dos poderes públicos, é necessário encontrar junto com a comunidade a melhor forma de se manter a preservação, de se dar a moradia digna e a sobrevivência”, ressaltou.
Ana Lúcia disse também que a Comissão de Direitos Humanos vem diuturnamente nesse acompanhamento e trabalhando para que os direitos sociais da comunidade tradicional das mangabeiras sejam preservados.
O coordenador do Núcleo de Políticas Sociais da Comissão de Direitos Humanos da OAB/SE, George Costa, disse que a audiência pública foi fruto de uma Ação Civil Pública (ACP) impetrada pelo MPF desde 2018 e a qual a Seccional acompanha, por meio da CDH. “Nós da Comissão de Direitos Humanos estamos acompanhando este processo desde o início e já fizemos algumas visitas técnicas na área da Reserva das Mangabeiras, última comunidade urbana extrativista, e relatamos “in loco” o que visualizamos da situação. Existe uma ACP que inclusive suspendeu a construção do conjunto habitacional que estava sendo implantado pela Prefeitura até que se resolva esse conflito entre a comunidade mangabeira e a construção do conjunto”, enfatizou.
Segundo ele, a preocupação da OAB é garantir que essas populações tenham vez e voz. “Conforme a gente viu hoje na audiência pública a Prefeitura está fazendo essa Reserva Extrativista sem ouvir a comunidade, que é a principal interessada. Foi relatado por líderes da comunidade que eles não foram convidados na primeira audiência pública e que tiveram inclusive dificuldade para acessar essa segunda audiência. Por isso, a OAB vai fazer encaminhamentos junto a Prefeitura de Aracaju para justamente verificar a questão da transparência da implantação dessa Reserva Extrativista. De fato é necessário fazer a preservação da área, porém respeitando o interesse principal que é o da comunidade extrativista”, salientou.
O integrante da CDH da OAB/SE informou que a OAB vai oficiar a Prefeitura de Aracaju, por meio da Emurb, da Secretaria Municipal do Meio Ambiente (SEMA), e da SEMINFRA, para que esses órgãos se manifestem e informem porque a comunidade não está sendo ouvida e também para que deem a oportunidade a essas pessoas de serem ouvidas. Além disso, pedirá que o município tente equalizar essa situação. “Esperamos que a Prefeitura atenda os interesses da habitação, porque há um déficit no município, mas ao mesmo tempo que respeite a questão ambiental dessa comunidade extrativista e que garanta o espaço de voz e fala das pessoas para que sejam ouvidas durante essas audiências públicas”, ressaltou.
Outro ponto a ser questionado a Prefeitura é sobre qual é a dificuldade para encontrar outra área que seja compatível com a necessidade das pessoas sem que com isso implique na retirada e derrubada de mais árvores. “Quando fizemos uma visita com o Ministério Público na área percebemos que de fato houve a derrubada de vários pés de mangaba e outros frutos, como cajueiros, o que realmente comprova que não está se respeitando e já foi inclusive determinado pela justiça a preservação daquela área”, afirmou.
O secretário municipal de Infraestrutura e presidente da Empresa Municipal de Obras e Urbanização, Antônio Sérgio Ferrari Vargas, disse que o objetivo da audiência pública foi o de ouvir as pessoas, as considerações, tudo o que for de encontro a ideia da gestão. “Ouvimos a grande quantidade de criticas e todas elas serão discutidas e levadas em consideração. Se a Prefeitura não quisesse respeitar a comunidade catadora de mangaba porque que ela proporia fazer uma Reserva Extrativista?”, questionou.
Segundo Ferrari, não foi autorizada a criação, não foi feito nenhum decreto criando, mas um decreto autorizando a criação. “E o decreto autorizando a criação passa exatamente por consulta pública, que é uma forma democrática e ampla de fazer essa consulta. Estamos ouvindo, estamos conversando e vamos fazer aquilo que for possível de ser feito na nossa proposta”, afirmou.
Depoimentos
O auditório do Centro de Artes e Esportes Unificado (CEUs) estava lotado, a comunidade das catadoras compareceu de forma maciça para a audiência pública. Também estiveram presentes para dar apoio aos pleitos da população professores, líderes comunitários e políticos. Além de também se fazerem presentes o secretário municipal do Meio Ambiente, Alan Lemos, o secretário municipal de Infraestrutura e presidente da Empresa Municipal de Obras e Urbanização, Antônio Sérgio Ferrari Vargas, e as técnicas Tereza Góes, diretora de Habitação da Emurb e Carla Zoaid, analista ambiental da Sema.
Alguns depoimentos da comunidade impactaram os presentes, a exemplo da fala da pequena Maria Eduarda, neta de uma catadora de mangaba. “Estou muito grata de estar aqui e gostaria de dizer uma palavra: não destrua isso porque essa mangabeira é nossa vida, esse pé de mangaba é a fruta que tem para a gente, o dinheiro que a gente vende é para nos sustentar é para sustentar a gente, então eu queria dizer que vocês são gente grande e eu sou pequena, mas eu entendo isso”, afirmou.
Gilvanira Lima de forma emocionada disse que tem certeza que Deus irá tocar no coração dos poderosos para olhar pelo meio ambiente. “Nós precisamos respirar é dessas mangabeiras porque o nosso bairro não tem verde. Estamos aqui hoje com essa brechinha para fazer alguma coisa por a gente. Queremos que a Prefeitura se una a gente e procure com a gente um espaço para a construção desse conjunto habitacional, nosso bairro é cheio, tem espaço e porque só pode ser ali ao lado das nossas mangabeiras? Vai ser construído o conjunto com as mangabeiras ao redor e com quatro anos as mangabeiras já foram porque são árvores sensíveis”, alertou.
A professora Laura James reforçou o apoio à comunidade dos extrativistas e da ocupação. “Acredito que está na hora do poder público repensar os seus conceitos. O diálogo é necessário, a gente está no Século XXI e está vendo o poder público atuando sempre da mesma forma de cima para baixo, não ouve a comunidade. Esta é a última área de mangabeira e se a gente quer conservar a nossa cultura porque deixar chegar a esse ponto? Era para já ter havido o diálogo, mediação dos conflitos, interesses ouvidos e atendidos, para depois validar numa consulta pública uma reserva extrativista. O que a gente pede é mais transparência”, disse.