Na noite dessa quarta-feira, 21, a Ordem dos Advogados do Brasil, em Sergipe (OAB/SE), por meio da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, promoveu uma discussão sobre as regras estabelecidas na Portaria nº 2561/2020 do Ministério da Saúde, que dispõe sobre a justificação e autorização da interrupção de gravidez em casos previstos em lei.
Idealizado pelo Grupo de Trabalho Saúde da Mulher da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da OAB/SE, o evento teve como mediadora a advogada e coordenadora do GT Saúde da Mulher, Andréa Góes, e contou com as explanações das debatedoras Corina Teresa Costa Rosa Santos, advogada, professora universitária e mestre em Políticas Sociais e Cidadania, que abordou a temática “Portaria 2561/2020 do Ministério da Saúde análise do Contexto e da Estrutura Social” e a delegada de Polícia Civil, Ana Carolina Machado Jorge, que falou sobre o tema “Análise dos aspectos jurídicos trazidos pelas regras impostas através da Portaria”.
O evento foi aberto pelo presidente da OAB/SE, Inácio Krauss. Na oportunidade, Krauss ressaltou a importância da formatação do evento e discussão do tema propiciado pela Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher. “Esse é um tema que infelizmente por algumas pessoas fecharem os olhos para a lei e confundirem com religião acabam destoando o verdadeiro propósito do aborto legalizado”, revelou.
Ideologia patriarcal
A presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, Adélia Moreira Pessoa, revelou a sua alegria em discutir o tema. Segundo ela, o Brasil mantém em seu sistema jurídico um enorme arsenal de leis, dispositivos normativos até em nível constitucional, que protege os direitos das mulheres, mas que, na perversa lógica paradoxal da ideologia patriarcal pouco faz para que seja efetivada e concretizada a garantia material desses direitos.
“Se a lei brasileira, se os tratados que o Brasil é signatário já estabelecem várias normas no sentido que o Estado brasileiro deve assumir a obrigação de criar condições que assegure a todas as mulheres assistência médica plena, os países devem adotar medidas com a finalidade de proteger as mulheres dos efeitos dos abortos clandestinos, dos abortos inseguros. Isso não é uma questão de religião, isso é uma questão legal”, enfatizou.
Adélia revelou ainda que é preciso concretizar as normas que estão aí, as normas que estabelecem o direito de a mulher, por exemplo, ao ser estuprada ter a sua assistência digna.
Conscientização
A presidente da Comissão Nacional de Defesa dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes e Conselheira Federal, Glícia Salmeron, ressaltou o apoio dado pela Diretoria da OAB/SE, por meio do presidente Inácio Krauss, a pauta dos direitos sociais. “É preciso de fato garantir que essas pautas sejam discutidas e trazidas para não só conscientizar, mas sobretudo para que cada um de nós possa ponderar como isso entra em nossas casas e reflete na formação cidadã de nossas crianças e de nossos adolescentes. Defender essa pauta é dizer que nós teremos meninas mais fortalecidas, principalmente em relação a violência doméstica”, disse.
A presidente da Comissão da Infância, Adolescência e Juventude da OAB/SE, Acácia Lelis, disse que essa é uma temática que traz grandes discussões. “É um problema que a gente precisa discutir porque a violência sexual e as suas consequências é e deve ser considerada como uma questão de saúde pública. É necessário que a gente realize esse debate e pense como pode contribuir para possibilitar uma transformação social no sentido de dar apoio, acolhimento, possibilitando amenizar essa questão do aborto legal”, pontuou.
A vice-presidente da OAB/SE, Ana Lúcia Dantas Souza Aguiar, revelou que o evento possibilitou a discussão em torno da legalidade de um ato que não foi feito com o consentimento, de um ato violento e que muitas vezes traz consequências desastrosas.
A presidente da Caixa de assistência dos Advogados de Sergipe (CAASE), Hermosa França, a coordenadora do Núcleo de Saúde da Comissão de Direitos Humanos da OAB/SE, Welma Mendonça, e ouvidora-geral da OAB/SE, Bruna Menezes, também ressaltaram a importância do debate.
A portaria
De acordo com a mediadora a advogada e coordenadora do GT Saúde da Mulher, Andréa Góes, a Portaria nº 2561/2020 do Ministério da Saúde elenca uma série de procedimentos que a equipe médica deve adotar ao receber uma menina ou mulher que esteja passando por uma das situações de gestação que são protegidas pela lei para a realização de aborto. “O aborto é legal aqui no Brasil em três circunstâncias: quando é decorrente de uma violência sexual, de um estupro; quando o bebê não tem condição de sobreviver pelo fato de ter pouca ou nenhuma massa encefálica; e no caso da mulher correr risco de vida. Todas essas análises são feitas por procedimentos médicos e com a regulamentação do Ministério da Saúde”, explicou.
Segundo ela, a Portaria modificou um pouco a forma como tudo estava acontecendo e o evento foi idealizado exatamente para debater as mudanças.
A advogada, professora universitária e mestre em Políticas Sociais e Cidadania, Corina Teresa Costa Rosa Santos, fez uma análise da estrutura social que leva a discussão para a questão religiosa ou moral e também falou porque existe a invisibilidade dos corpos femininos.
Burocracia
De acordo com Corina Teresa, os fatos não podem ser sumariamente negados. Segundo ela, as mulheres ao longo da história da humanidade vêm sendo tratadas como propriedade, como objeto que tem valor, que tem produto. “Diariamente a gente assiste a violência contra a mulher que não é vista, não é tocada nas pessoas. A invisibilidade da mulher em relação as ações dentro da sociedade e como essa sociedade trata a mulher é uma situação que eu não pensei estar vivendo no Século XXI, em 2020”, disse.
Conforme Corina, em 2020, ainda está sendo feita a discussão de como a mulher pode ser tratada pelo Estado, depois de ser violentada, estuprada. “Somos cidadãs. Na hora em que a gente nasce, a gente se torna cidadã. É muito terrível a gente ainda está falando sobre isso e quando você analisa a Portaria percebe que quem a redigiu tem esse DNA de séculos de invisibilidade da mulher no tecido social da nação, o que é uma infelicidade”, ressaltou.
Conforme a debatedora, a Portaria burocratiza uma ação, obrigando a vítima a justificar como ela foi estuprada. “É como se ela tivesse obrigação de provar e circunstanciar a história de como ela foi estuprada. A Portaria exige que três testemunhas estejam presentes, que se faça um relatório circunstanciado para somente depois ser aprovado”, afirmou.
Análise criminal
A delegada de Polícia Civil, Ana Carolina Machado Jorge, falou sobre a análise criminal e direitos humanos da Portaria nº 2561/2020. De acordo com a debatedora, a Portaria na verdade é uma aberração jurídica, um instrumento que é totalmente divergente dos princípios basilares da Constituição Federal. “Quando a gente fala em dignidade da pessoa humana, quando a gente fala na questão das formas de discriminação e do tratamento igualitário, e na Convenção de Belém do Pará, e que a dignidade da mulher seja no todo, principalmente a dignidade sexual”, salientou.
A portaria é composta de quatro fases para que se possa realizar esse aborto resultante do estupro. “A primeira: o relato circunstanciado do evento; a segunda: a emissão do parecer técnico após exames; a terceira: a assinatura do Termo de Responsabilidade; e a quarta: o termo de consentimento”, cita.
“Se um dos integrantes do parecer técnico discordar não vai haver o aborto. O que essa Portaria quer dizer é seja estuprada e fique no silêncio. Quando a gente vai olhar essa Portaria ela dá atribuição aos profissionais de saúde que ele não tem, porque da forma como eles fazem é inquisitiva e que a mulher vai ter que se justificar”, enfatizou.