Nesta sexta-feira, 28, a roda de conversa promovida pela Ordem dos Advogados do Brasil, em Sergipe, através da Comissão de Igualdade Racial, abordou a história e as relações raciais que refletem em perspectivas racistas. O evento foi transmitido pelo canal da OAB/SE no Youtube.
Além de presenças ilustres, a abertura solene do evento contou com as falas do presidente da entidade, Inácio Krauss; da presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB/SE, Monaliza Dijean; e da presidente da Comissão de Igualdade Racial Nacional, Silva Cerqueira.
Silva realizou uma breve abordagem histórica relembrando que os avanços atuais são frutos de lutas travadas também em reuniões de cúpulas. “Foi da interlocução entre o Estado e a sociedade que esses temas vieram à reflexão e fez com que estados se rebelassem”, pontuou.
“Os assuntos que serão discutidos aqui são extremamente interessantes, importantes e atuais. Quem é vítima do racismo não tem liberdade. Nós buscamos a consolidação do princípio da igualdade e se estamos aqui hoje é porque grandes lutas conquistaram isso”, considerou Silva.
A presidente da Comissão Nacional falou também sobre o avanço da OAB em relação à autodeclaração, que se tornará obrigatória em todas as seccionais.
A roda de conversa contou ainda com a presença de Humberto Adami, presidente da Comissão Nacional de Verdade da Escravidão Negra da OAB; Aurélio Belém, secretário-geral da OAB/SE; e Robéria Silva, presidente da Comissão de Direito Urbanístico e Ambiental da OAB/SE.
Discussões
O secretário-geral da Comissão de Igualdade Racial da OAB/SE, Wesley Santana, foi o primeiro debatedor do evento. Wesley iniciou sua fala através de uma reflexão sobre a dura realidade que a população preta enfrenta ante ao processo falho de abolicionismo da escravatura.
“Nós, negros e negras que vivemos em uma sociedade racista e negacionista em relação às questões sociais, precisamos cada vez mais nos rebelarmos e lutarmos para enfrentar esse longo e falho processo do abolicionismo da escravatura – que até hoje reflete em nós”, disse.
Wesley indagou a presidente da Comissão de Igualdade Racial Nacional, Silva Cerqueira, se hoje a sociedade precisa de uma segunda abolição. Silva afirmou que sim, ressalvando que a desconstrução do racismo estrutural nas instituições já faz parte desse processo [ou batalha].
Malu Marigia, membro da Comissão de Igualdade Racial da OAB/SE e debatedora no evento, destacou a necessidade de a branquitude reconhecer e abrir mão de seus privilégios. “Nossa luta requer conscientização. Os privilégios que a branquitude tem foram tirados de nós”.
“Falamos de igualdade, mas não podemos esquecer que partimos de lutas bem diferentes”, ponderou Malu. Em relação à essa questão, Silva Cerqueira pontuou que o caráter de abrir mão dos privilégios deve ser reparatório, reconhecendo a trajetória da população preta.
Humberto Adami, presidente da Comissão Nacional de Verdade da Escravidão Negra da OAB Nacional, abordou a necessidade de permanecer vigilante e atuante sempre, destacando a importância e imprescindibilidade das comissões da verdade nas seccionais da OAB.
“As comissões da verdade têm papeis diferentes da Comissão de Igualdade. É preciso que toda a nossa trajetória seja relembrada e registrada. A OAB tem feito esse trabalho. Tivemos progressos. Quando começamos essa atuação em 99, não se falava ainda sobre esses temas”.
Humberto propôs uma reflexão sobre as ações afirmativas e políticas públicas. Ele considerou que os quilombos ainda não estão inseridos nessas ações. “O Estado brasileiro ainda não se comprometeu com isso. Essa é uma falta muito grande”, abalizou o presidente da Comissão.
Leila Consuelo, membro da Comissão de Igualdade Racial da OAB/SE e debatedora na roda de conversa, pontuou que os corpos negros continuam a serem desvalorizados. “O que percebemos foi o aumento, nos últimos 11 anos, da morte dos jovens negros”, lamentou.
“A gente continua vendo os resquícios da escravidão permeando a nossa sociedade sem haver uma reparação e reinserção dessa população. Aumentou o número de feminicídio de mulheres negras nesse período, a polícia matou jovens negros 75% a mais. É alarmante”, disse Leila.
Robéria Silva, presidente da Comissão de Direito Urbanístico e Ambiental da OAB/SE, fez uma análise sobre a perspectiva de Aristóteles, que defendia a existência de uma hierarquização natural, e a perspectiva de Kante, que faz um recorte entre seres racionais ou irracionais.
“Mais adiante a gente tem Rui Barbosa, que em um contexto de um Estado europeu, também traz a regra da igualdade. São várias conceituações para tentar chegar no fundamento do Estado Democrático de Direito [a igualdade] e veja como é complexo chegar nele”, ponderou.
O secretário-geral da OAB/SE, Aurélio Belém, ratificou a necessidade de reconhecer privilégios. “Não sinto na pele o que vocês sentem, mas estou aqui para aprender. Reconheço-me parte dessa engrenagem que funciona e reproduz essas chagas que dividem a humanidade”.
“Precisamos parar de negar o racismo estrutural. O negacionismo talvez seja uma das maiores dificuldades para enfrentar essas questões. O racismo está presente em nossos hábitos, muitas vezes inconscientes [um perigo]. Não basta não ser racista, é preciso ser também antirracista”.
Manoel Ilson, membro da Comissão de Igualdade Racial da OAB/SE, ponderou aspectos sobre o tema levantado por Aurélio. “O reconhecimento de fazer parte de uma elite privilegiada é um ponto crucial na desconstrução do racismo estrutural, assim como o debate e estudo”.
“O debate é importante porque muitas vezes quem sofre o racismo não se dá conta, pois já uma estrutura ‘naturalizada’. Já não basta mais ocupar espaços. Precisamos abrir caminhos e deixa-los abertos. Enquanto o racismo não cessar, estaremos na luta dessa desconstrução”.