O webnário realizado nesta quinta-feira, 19, pela Ordem dos Advogados do Brasil, em Sergipe, através da Comissão de Infância, Adolescência e Juventude, abordou questões relativas ao procedimento de aborto decorrente de violência sexual contra crianças e adolescentes.
Foram ministrantes Graziela Cristina, coordenadora do FCNCT; Glícia Salmeron, presidente da Comissão Nacional de Defesa dos Direitos da Criança do Adolescente; Maria Luiza Moura, mestra em psicologia; e Martha Dias, procuradora regional dos direitos do cidadão em Sergipe.
O evento contou com a abertura solene da vice-presidente da Comissão, Arlene Batista Cunha, que relembrou como dever da família, da comunidade, da sociedade e do poder público assegurar a efetivação, garantia e proteção integral dos direitos da criança e do adolescente.
“Recentemente, muitos brasileiros acompanharam atônitos o difícil percurso de uma criança vítima de estupro em busca da efetivação de seu direito ao aborto legal. Embora amparada pela legislação, a criança precisou de autorização para ter acesso ao procedimento”, disse.
Em sua fala, Arlene pontuou ainda dados alarmantes acerca do assunto. “No Brasil acontecem 6 abortos por dia em meninas entre 10 e 14 anos que foram estupradas. Em média, são 6 internações diárias de meninas que foram internadas por interrupção de gravidez”, ponderou.
Aspectos da Recomendação nº 21/2020/PROC/SE/MPF
A primeira ministrante a falar no evento foi Martha Dias, procuradora regional dos Direitos do Cidadão em Sergipe do Ministério Público Federal. Ela falou sobre a Recomendação nº 21/2020/PROC/SE/MPF, expedida em busca de garantir o acesso ao aborto seguro e legal.
Martha iniciou sua explanação citando o Atlas da Violência 2018, que apontou o aumento, em dobro, do número de registros de estupro no sistema de saúde em cinco anos. “Cinquenta e um por cento dos casos em 2016 vitimaram crianças com menos de 13 de idade”, pontuou.
“O Brasil está entre os 25% das nações do mundo com legislações mais restritivas em relação ao aborto. Quem mais sofre com isso? Negras, indígenas, menores de 14 anos e moradoras de regiões distantes dos grandes centros, pois locais de atendimentos estão concentrados neles”.
Martha explicou que o aborto legal, em caso de criança, é permitido porque se enquadra em duas hipóteses: gravidez decorrente de estupro e risco de vida para a gestante. “O direito ao aborto passou por um trabalho muito lento, sacrificado e ainda deficiente no Brasil”, abalizou.
A palestrante citou as normas técnicas do Ministério da Saúde; o Decreto n° 7.958/2013; e a Lei 12.845/2013. Segundo ela, as barreiras que já existem, além dos obstáculos trazidos pela portaria do MS, são muitas. Dentre elas, o desconhecimento da lei e da Norma Técnica.
Atuação do Conselho Tutelar em casos de violência sexual praticada contra crianças e adolescentes
Em seguida, a coordenadora institucional do Fórum Colegiado Nacional de Conselheiros Tutelares, Graziela Cristina, ministrou palestra sobre as atribuições dos conselheiros titulares e a atuação do Conselho Tutelar em casos de violência sexual contra crianças e adolescentes.
Graziela relembrou o artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente, que preconiza como dever da família, da comunidade, da sociedade e do poder público assegurar a efetivação de direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à dignidade, ao respeito, etc.
“O artigo 4º diz claramente sobre os garantidores de direitos e o conselheiro tutelar deve ter esse fluxo de garantia de direitos. O Estatuto também fala da política de atendimento, que se fará através de um conjunto articulados de ações governamentais e não governamentais”.
Ela esclareceu que a rede de garantia de direitos das crianças e adolescentes é dividida em diversos eixos. “É importante que todas as pessoas que atuam na defesa dos direitos se encontrem nesses eixos porque cada um deles tem sua função nesse sistema”, contou.
A palestrante explicou que o Conselho Tutelar é um órgão que possui o propósito de zelar pelo cumprimento dos direitos. “Ele não vai cumprir. Ele vai zelar pelo cumprimento. Quem tem a missão de cumprir são os garantidores de direitos elencados no artigo 4º do Estatuto”, disse.
“O artigo 98 do Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece que as medidas de proteção à criança e adolescente são aplicáveis sempre que direitos forem ameaçados ou violados. O Conselho Tutelar identifica quais direitos foram violados para que ele possa aplicar medidas”.
Prevenção e política de atendimento
Maria Luiza Moura, mestra em psicologia social e membro do Observatório Latino Americano e Caribenho sobre Tráfico de Pessoas, abordou os principais motes relativos à prevenção e à política de atendimento. Maria citou o negacionismo dos direitos humanos existente no país.
“Há concepções estabelecidas como regras para conduzir o nosso país que abalam concepções construídas e acordadas outrora. Uma decisão tomada em relação ao aborto de crianças e adolescentes acaba abalando todo o sistema de garantias de direitos”, considerou Maria Luiza.
“Vivemos em grande contradição e por isso nós precisamos ficar reafirmando coisas que ainda estão em curso. Da mesma forma que existe a lógica do sistema de garantias, existe uma lógica de coisas que sustentam esse sistema, que são os marcos legais”, afirmou a palestrante.
Maria Luiza ponderou que atualmente muitas desconstruções estão sendo propostas. “São proposições que, ao invés de realizar a garantia do direito e da proteção, elas alimentam e produzem mais violência. Estamos em um sistema de uma política voltada para morte”, disse.
“As medidas de hoje só exageram a pandemia, deslocam nossa atenção protetiva e faz com que tenhamos que ir à luta por coisas que não deveriam ser mexidas, mas estão sendo, como os direitos de crianças e adolescentes. Há um grande desmonte das medidas protetivas”.
Importância do fluxo de atendimento de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual
Encerrando o ciclo de palestras do webnário, a presidente da Comissão Nacional de Defesa dos Direitos da Criança do Adolescente da OAB, Glícia Salmeron, falou acerca da importância do fluxo de atendimento de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual.
Glícia teceu duras críticas à portaria nº 2.561/2020 emitida pelo Ministério da Saúde. “O que nos falta é compreender o processo que diz respeito ao sistema de garantias das crianças e dos adolescentes. O que significa, por exemplo, o alto índice de casamento infantil?”, indagou.
“O alto índice significa que precisamos falar da desconstrução de um conceito, de um pré-conceito e de uma cultura nos quais muitas vezes a família não compreende que o casamento infantil vai velar o tipo de violação que essa menina sofre – muitas vezes porque está grávida”.
“Temos na primeira infância uma coisa histórica, mas não temos a mesma celeridade quando se fala de meninos e meninas a partir de sua evolução sexual no ponto de vista de transformação do seu corpo. Isso porque a sociedade não quer falar de educação sexual”.
“Por que temos uma menina sendo abusada desde os 8 anos de idade e depois de 2 anos engravidou? Essa não é uma situação única. Várias outras meninas passaram pela mesma situação e tiveram esses filhos sem a assistência da rede de proteção”, considerou.
Glícia afirmou que é preciso analisar os dados e o cenário atual do país. “O Brasil está sendo dirigido por instituições que não tem função para tal. É preciso colocar cada figura em seu poder, fazendo seu papel. A missão de um gestor é cumprir o que determina a lei”, abalizou.