Nessa terça-feira, 4, à tarde, cinco mulheres pretas gestoras falaram sobre a interiorização da política de igualdade racial na segunda roda de conversa do Webnário Tereza de Benguela, realizado pela Ordem dos Advogados do Brasil, em Sergipe.
Na abertura dessa etapa do evento, a secretária-geral adjunta da OAB, Andrea Leite, enalteceu o orgulho de compor uma gestão que muito tem feito em prol das causas sociais, promovendo inclusão da mulher, garantindo pluralidade, respeitando as minorias, e dando voz a todos.
“Ressalvo minha alegria de fazer parte dessa gestão, que realiza hoje um emblemático evento visando mostrar a força da mulher negra; reconhecendo e ressaltando o papel por elas exercido; e discutindo o desafio relativo à interiorização das políticas da igualdade racial”.
Em sua fala, Andrea prestou uma homenagem à sua avó, Amélia. “Filha de escravos, minha avó nunca se sentia à vontade em outro lugar que não fosse a cozinha. Ela não se sentia parte da família. Tinha vergonha de sua história e de sua cor e é por isso, por esse evento, que homenageio a vida dela e de tantas outras mulheres negras que nunca se sentiram parte”.
A roda de conversa foi mediada pela advogada, Érica Delfino, e contou com as explanações de Marleide Nascimento; Edicélia Maria; Silvana Rodrigues dos Anjos; Glaci Lopes; e Ana Cristina de Santana. Dando início às palestras, Érica destacou a ilustre participação das expositoras.
Reconhecimento enquanto preta e quilombola
Marleide nascimento, coordenadora do Centro de Assistência Social CRAS Quilombola do município de Horizonte, no Ceará, foi a primeira palestrante a falar no espaço de debates. Ela iniciou sua fala ressalvando a importância de participar de discussões enquanto gestoras.
“Eu sou uma mulher preta quilombola e é muito importante nossa participação aqui enquanto promotoras da igualdade. Nós sempre somos estudadas, então é importante ocupar esses espaços de implementação de políticas, compartilhando nossas experiencias e lutas”, disse.
Marleide afirmou que a luta das mulheres pretas por reafirmação é diária. “Todos os dias nós precisamos nos reafirmar enquanto mulheres pretas. Nunca foi fácil, mas quando se ocupa um cargo como o meu, é ainda mais difícil. Eu preciso ficar me reafirmando ainda mais”, contou.
Sobre sua experiência como coordenadora do CRAS, Marleide falou sobre a dificuldade de o povo reconhecer-se enquanto quilombola. “Como o CRAS não ficava dentro da comunidade quilombola, por mais necessidade que passasse, ninguém se deslocava pra ir até ele. Foi preciso colocar o CRAS dentro da comunidade e assim conseguimos esse objetivo há 2 anos”.
Importância da militância
Em seguida, Silvana Rodrigues dos Anjos, coordenadora municipal de políticas de promoção da igualdade racial do município de Parnamirim, no Rio Grande do Norte, fez uma reflexão sobre a imprescindibilidade da militância nos diversos aspectos: pessoal, profissional e institucional.
“Eu não sei o que seria de mim se não fosse minha militância quilombola. Fico até emocionada com o convite de estar aqui hoje. Atualmente estou gestora do órgão de igualdade social e já faz 15 anos que estou nessa militância e digo: representatividade importa”, sustentou.
“Infelizmente muita gente não entende o que significa representatividade. Acha que quando a gente pede isso está pedindo que só gente preta trabalhe e ocupe os espaços. Mas não é isso. Precisamos de nós nesses espaços porque quem sabe o que precisamos somos nós”, afirmou.
Desafios do racismo, preconceito e intolerância
A ministrante, Ana Cristina Santana, coordenadora da igualdade racial, gênero e diversidade do município de Riachuelo, em Sergipe, abordou em sua fala os desafios de ser uma mulher gestora negra que busca diariamente combater o preconceito, racismo, sexismo e homofobia.
“Não é uma tarefa fácil. Não somos vistas com bons olhos. A maioria da população tem um certo enfrentamento em relação à mulher negra e em um município pequeno, de 10 mil e poucos habitantes, esse enfrentamento é um pouco maior”, explanou a coordenadora.
“É muito gratificante e edificador fazer parte deste webnário. Venho de família humilde, com avós negros que me ensinaram a ter orgulho da minha cor, da minha face e da minha religião. Não sei expressar o quão gratificante é estar hoje em um webnário promovido pela OAB/SE, voltado diretamente às mulheres negras gestoras, que buscam o melhor para sua raça”, disse.
Avanços em prol do povo negro e das comunidades quilombolas
Glaci Lopes, gestora municipal de Igualdade Racial do município de São Mateus, no Maranhão, falou sobre sua experiência no cargo. “Hoje temos uma gestão municipal que é uma rede de responsabilidade com o povo negro, que também busca valorizar as pessoas de terreiro”.
“Estamos fazendo mapeamento para que elas possam ter politicas públicas que deem recursos para elas serem valorizadas dentro de seu trabalho e sua religião. Eu quero representar esse povo ainda mais forte. Hoje já temos 4 comunidades quilombolas já certificadas no município”.
Em seguida, Edicélia Maria, presidente do Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial e superintendente da Coordenadoria de políticas públicas de promoção da igualdade racial de Ponto do Paraná, falou sobre a resistência, mas enalteceu um significativo avanço.
“Aqui é um lugar onde a gente encontra muita resistência. A luta é aqui bem firme. Quando eu fiz minha pesquisa sobre comunidade quilombolas, vi o quanto é triste ver que as pessoas não sabem de seus direitos e não luta por eles. Essas pessoas não tinham representatividade, mas conseguimos criar o Conselho. É muita luta. A gente vê o quanto de conflitos a gente tem”.
Troca de experiências salutar
Após o fim do ciclo de explanações, a coordenadora do Grupo de Trabalho “Raça, Gênero e Etnia” da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, Carla Caroline Silva, enalteceu a realização do evento, que promoveu uma troca de experiências salutar e imprescindível.
“Estou maravilhada por saber que pelos diversos cantos do país há potências de resistência e criatividade – as maiores heranças que nós recebemos através de nossa história, que é de muita violência e dor. A fala de cada uma das expositoras é muito inspiradora porque trata-se de não só exercer uma função como forma de subsistência, mas sobretudo de estar no mundo para que as coisas se transformem e a gente tenha uma sociedade mais igualitária”, abalizou.