O alvo é a advocacia, mas o ataque é à democracia

Por Fábio Fraga | Advogado, conselheiro federal da OAB

“A essência, a dificuldade, a nobreza da advocacia é esta: sentar-se sobre o último degrau da escada, ao lado do acusado, quando todos o apontam. Postar-se ao lado do forte, sob às luzes dos holofotes, é cômodo.”
Francesco Carnelutti

Advogado vem da palavra em latim advocatus, aquele que é chamado a socorrer. E é justamente por ser chamado a ajudar, a acudir, a estar por perto, que o advogado é erigido na Carta Constitucional como indispensável à administração da justiça. É também por esse motivo que detém prerrogativas que servem de instrumentos indispensáveis para o pleno exercício da função de defesa e, por consequência, para a garantia dos direitos do cidadão.

Quando o Estado, com sua mão forte, valendo-se das polícias, do Ministério Público e de outros órgãos de persecução, imputa ao cidadão a prática de um crime, é a advocacia que estará ao lado desse para equilibrar essa balança, e com base na Constituição e nas leis, promover a sua defesa. O advogado deve, de forma comedida, serena e técnica, atuar na defesa intransigente de seu constituinte.

Diante da prática suposta de um crime de repercussão social, a sociedade frequentemente promove uma constatação precipitada de uma verdade aparente. É nesse cenário que surge o advogado, como uma espécie de freio para conter o carro da acusação – até porque um carro sem freios não serve para nada. Um processo penal só funciona nesse equilíbrio de forças.

Esse é o papel da defesa criminal: indicar testemunhas, requerer perícias, acareações, acompanhar audiências, garantir a legalidade das penas. Como disse Rui Barbosa, “legalidade e liberdade são as tábuas da vocação do advogado”. Sem defesa, o processo penal se transforma em um rito de passagem para a condenação. Se os princípios constitucionais e legais forem desprezados, voltamos à Idade Média, com acusados sendo expostos publicamente em um patíbulo e executados à vista da multidão.

“Criminalizar a advocacia interessa a quem deseja enfraquecer o devido processo legal, calar a defesa, impedir o acesso à justiça e corroer o Estado Democrático de Direito”.

Mesmo com sua atuação profissional devidamente definida, com limites e responsabilidades claros, os ataques à advocacia se avolumam. Escritórios são alvos de busca e apreensão, há prisões ilegais, impedimentos de gravações em audiência, ofensas públicas, especialmente nas redes sociais. Qual a motivação por trás dessa escalada de violações?

Em regimes autoritários e populistas, a advocacia independente – sobretudo aquela voltada à defesa de direitos humanos e garantias processuais – é vista como ameaça. Soma-se a isso uma mídia sensacionalista que reforça estigmas, associando advogados à proteção de criminosos. O punitivismo cresce e, com ele, a criminalização da advocacia. A desinformação também alimenta esse ciclo. Por medo, revolta ou ignorância, parte da sociedade vê a advocacia como aliada do crime. E ignora que, no processo penal, ela também pode estar ao lado da vítima.

Criminalizar a advocacia interessa a quem deseja enfraquecer o devido processo legal, calar a defesa, impedir o acesso à justiça e corroer o Estado Democrático de Direito. Uma advocacia forte e independente é uma das principais garantias de que o poder será exercido dentro dos limites constitucionais. Atacá-la é atacar o próprio cidadão e sua liberdade. Por isso, exige-se de todos nós – advogados e sociedade – uma vigilância permanente.

Deixe um comentário